Cidade baiana guarda memória de Lamarca, 50 anos após sua morte na Ditadura Militar
Geovana Oliveira
Salvador Brotas de Macaúbas e Ipupiara são pequenas cidades, separadas por 31 km, no sertão da Bahia. Com cerca de 10 mil habitantes cada, elas estão unidas por uma mesma história durante a Ditadura Militar (1964-1985).
Nesta região, há exatos 50 anos, uma operação matou Carlos Lamarca (1937-1971), capitão que havia desertado do Exército em 1969 e uma das principais figuras da luta armada contra a Ditadura Militar.
Meio século depois, Olderico Campos Barreto, 73, conta que ainda recebe pedidos de visita ao local onde tudo aconteceu. Ele é irmão de José Campos Barreto, mais conhecido como Zequinha —companheiro de Lamarca que foi assassinado junto a ele, enquanto descansavam embaixo de uma árvore no dia 17 de setembro de 1971.
“Às vezes me procuram muito, porque a gente tem essa história toda na mão e, ao levar no local onde as coisas aconteceram, a gente percebe que as pessoas se sensibilizam. Ver as marcas deixadas pela ditadura é uma coisa que sensibiliza muita gente”, diz.
Olderico ainda lembra com clareza da operação que aconteceu em 71. “Acho que é mais fácil esquecer o meu nome do que esquecer uma invasão desse tipo na nossa casa. Foi uma bomba”.
Sua casa, no povoado de Buriti Cristalino, foi invadida na manhã de 28 de agosto daquele ano, quando os policiais mataram seu irmão mais novo, de 20 anos, Otoniel Campos Barreto e o professor Luiz Antônio Santa Bárbara. Olderico foi preso e torturado, assim como seu pai, José de Araújo Barreto.
“O terror que ficou na população é uma coisa bem sentida até hoje. Voltei em 88 pra cá. Uma mulher me disse que até hoje quando ela ouve o barulho de helicóptero ainda tem uma diarreia e o povo todinho disse a mesma coisa, ela sintetizou o sentimento do grupo”, conta.
No último dia 28, Olderico levou dois casais da região de Iraquara, também na Chapada Diamantina, para conhecer Ipupiara.
A operação marcou tanto a população da pequena cidade, que hoje ela guarda um monumento em homenagem a Zequinha e à Lamarca. A estátua, uma imagem de Zequinha carregando no ombro o amigo ferido, fica no povoado de Pintadas, onde morreram. No mesmo local, um Memorial dos Mártires celebra os guerrilheiros.
Erguido em 2010, o memorial foi idealizado pelo bispo da Diocese de Barra, Dom Frei Luiz Cappio. “Um fato tão importante quanto esse, de dois homens serem mortos por causa dos seus ideais de liberdade, não poderia ficar esquecido”, afirma.
Com isso, a ciocese realiza missas aos mártires todo dia 17 de setembro. Nesta sexta-feira (17), duas missas vão ser celebradas — uma em Ipupiara e outra em Buriti, cidade de nascimento de Zequinha.
A data também é feriado municipal tanto em Brotas de Macaúbas, quanto em Ipupiara. Praças e ruas foram nomeadas em homenagem aos guerrilheiros, e as escolas chegam a promover excursões de alunos ao Memorial.
O momento, no entanto, continua sendo mais celebrado pelos adultos que ainda recordam da época. “Os jovens que vão levados pelas escolas têm o conhecimento, mas não sinto a vibração ou o desejo libertário como nos nossos tempos, é tudo mais tranquilo, infelizmente”, diz o bispo Dom Luiz Cappio.