Ex-cortador de cana, alagoano já produziu 6.000 rabecas na vida
Josué Seixas
Maceió O menino do canavial que um dia foi Nelson do Santos sente saudade de tocar a rabeca e de receber visitas. Pelo telefone, o homem de 79 anos ainda se faz criança: conversa com alegria, cheio de histórias, e lembra que já produziu mais de 6.000 rabecas nos últimos 25 anos. Antes disso, lembra Nelson, lhe competia ser cortador de cana nos interiores de Alagoas. Era uma rotina de quatro dias de trabalho para três de descanso.
O primeiro contato com a rabeca veio quando Nelson tinha 54 anos. Ele sempre assistia às pessoas tocando violino pela TV quando estava fora do canavial. Resolveu que deveria fazer um instrumento e começar a tocar, mesmo sem ter muito ideia de como deveria ser o processo. Botou na cabeça que daria certo. E deu. Um mês depois, fez seu primeiro show.
“Quando eu comecei a tocar, passei a ganhar mais dinheiro do que naqueles dias que trabalhava no canavial e aí deixei de ir para lá. As pessoas acham que eu sou bom e eu acho que sou também, mas nunca pensei que as coisas iam ser desse jeito porque eu só saí testando as coisas até achar a minha tonalidade, mas deu certo. É o que eu gosto de fazer”, conta Nelson.
Para o primeiro instrumento, o processo se desenhou: pegar a madeira e modelá-la a partir de lixas e colagens. A montagem viria depois, lá pelo terceiro ou quarto dia do projeto, em que eram colocadas as cordas de viola. No começo, Nelson sequer sabia que já existia um instrumento chamado rabeca. Fez a dele por intuição porque realmente queria algo que parecesse o violino que admirava.
Nelson não estava sozinho na empreitada. Casado com Benedita Duarte desde os 19 anos, ele encontrava nela a força para seguir em frente. Completaram 60 anos de casados durante a pandemia, por exemplo. Ele trabalhava no canavial e ela tentava arrumar emprego com o que pudesse, inclusive no corte de cana.
Nelson sequer foi à escola. Não sabia ler ou escrever, assim como Benedita. Criaram os 10 filhos no instinto e na memória (um deles já falecido). É Nelson quem compõe o som das músicas. Benedita, que não sabia desenhar as letras num papel, imaginava todas as composições na cabeça enquanto estava nos canaviais. Cantarolava todas no sol quente, entre os cortes da cana, para ver se o dia ficava mais leve. Decorou quase todas e só depois de muito tempo teve coragem de cantá-las.
“A gente sempre foi assim, muito próximo. Às vezes, os aviões passavam por cima da gente, quando estávamos no canavial, e eu ficava pensando: ‘Que loucura é esse povo que confia em voar’. Eu mesma não tinha coragem de fazer isso. E aí Deus muda a vida da gente, começamos a viajar pelo mundo, tocando na Noruega, na África, sem ter ideia do que eles falavam para a gente”, lembra Benedita.
Durante entrevista por telefone para a reportagem, Nelson e Benedita cantaram e tocaram. Estavam com saudades de receber alguém em casa, mesmo que de maneira virtual. Lembraram até que só em 2015 aprenderam a escrever os próprios nomes, com ajuda das filhas Eliene e Maria Claudete. Cheios de sorrisos, se distraem com o que a vida impõe.
“Se tem uma coisa que eu aprendi é que não dá para ser de um jeito só. Tem que estar preparado para fazer qualquer coisa em todo canto. Comigo, foi tocar em outros países e cidades longe de casa”, diz Nelson.
Ele nasceu em Joaquim Gomes, no interior de Alagoas, e hoje vive em Marechal Deodoro, também no Estado. Nelson dos Santos se tornou Nelson da Rabeca, patrimônio vivo de Alagoas. O menino que saiu do canavial tornou-se eterno.