Aos 83, Chicuta mantém tradição de carros de boi em Minas Gerais

Donizete Oliveira

MONTE BELO (MG) Segundo o dicionário Aurélio, chicuta significa bebê, criancinha. O termo também foi imortalizado na voz de Tião Carreiro e Pardinho, na canção “Ana Rosa”, em que Chicuta, um sujeito violento, mata por ciúmes sua mulher, Ana Rosa.

É também um apelido comum em algumas regiões de Minas Gerais. Um desses chicutas, que de violento não tem nada, vive em Monte Belo (a 400 km Belo Horizonte). Aos 83 anos, Francisco de Paula da Costa é um dos mais velhos “carreiros” de Minas.

Chicuta preserva a tradição de recriar carros de boi para apresentar às novas gerações esse meio de transporte que por décadas foi vital para a economia do país.

Ele vive em um sítio de 15 alqueires, em Tijuco, zona rural de Monte Belo. A atração fica num galpão ao lado do terreiro de concreto onde se secam cereais: um carro de boi usado para apresentação nas cidades da região.

Os carros de boi estão presentes nas festas populares como um elemento da cultura caipira. Antigamente, era um meio utilizado para puxar cereais e café, que com o tempo foi substituído por veículos motorizados.

Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, em dia chuvoso no sítio em Monte Belo (MG)

O carro de boi de Chicuta o acompanha desde criança. “Meu pai me ensinou a pôr os bois na canga e a viajar levando cereais e café de um lugar a outro”. No pasto, estão os bois treinados para puxar o carro. “Eles só ficam prontos com uns cinco anos de doma e exigem muita paciência do carreiro”.

Na visita da reportagem, em janeiro, durante chuva, Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, colocou a canga nos bois e movimentou o carro. No fogão a lenha, a mulher dele, Maria Cândida, 81, preparava o almoço, com arroz, feijão, carne, verduras e legumes colhidos na propriedade. “A gente faz questão de não abandonar os costumes antigos”, diz ela.

O carro de boi percorreu três km debaixo de chuva. As rodas de madeira cortavam o barro esbranquiçado da estrada de chão batido. Estava munido da varra de ferrão para ajudar na condução dos bois, mas ele não os cutucava. “O bom carreiro guia pelo comando, e eles obedecem, cutucar de leve só em último caso”, afirma Chicuta.
Ao lado segue seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carro de boi –paixão que pôs fim ao seu casamento.

De tanto viajar para apresentações em eventos regionais, sua mulher lhe deu um ultimato: ela ou o carro de boi. Eraso não titubeou em ficar com a segunda opção. “Não largo disso aqui por nada”, diz. Mas não conseguiu passar o gosto pelo ofício a seu único filho, que não se interessa pela tradição.

Chicuta também não. Seus filhos não a cultivam, mesmo com incentivo do pai. Ele diz que tentou, ensinou, mas eles preferem trabalhar com café e outras plantações a domesticar bois de carro.

“Minha sorte é o Eraso, que já se comprometeu em levar adiante essa paixão”, declara o velho carreiro, mas se depender de disposição, ele vai longe guiando os bois nas apresentações regionais.

Chicuta segue na tradição com seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carros de boi

A chuva não cessa em Monte Belo. Duas horas após a partida, ouvem-se os comandos de Chicuta: “Rodeio, Campeiro, Roseiro, Mercado”… os bois conduzem o carro de volta ao terreiro da casa.

Apesar da chuva e do terreno encharcado, ele se lembra da música “Poeira”, composição de Luiz Bonan e Serafin Gomes, primeira gravação de Duo Glacial. “O carro de boi lá vai gemendo lá no estradão/Suas grandes rodas fazendo profundas marcas no chão/Vai levantando poeira, poeira vermelha, poeira/Poeira do meu sertão”.