Poeta matuto de Alagoas, cordelista Jorge Calheiros, 80, tem 226 títulos publicados
Josué Seixas
MACEIÓ Eram 14h de sábado e Jorge Calheiros estava com um martelo e um prego nas mãos porque precisava pendurar uma foto nas paredes de casa. Com as mãos, disse ele, precisava fazer mais do que escrever. Na mente é que guarda o talento. São 226 cordéis escritos ao longo dos 80 anos e 96 deles estão na ponta da língua.
Nascido no município de Pilar, o cordelista e poeta Jorge Calheiros é patrimônio vivo de Alagoas desde 2011. São 68 anos escrevendo. O interesse pela poesia veio da alma e das coisas que a vida jogava em si.
Aos 7, conta Jorge Calheiros, sonhava em conhecer uma escola. Poderia ser qualquer escola. Como estudante, nunca entrou em uma. Aprendia em casa, junto a seis irmãos, quando a irmã Zilda chegava das aulas. Tornou-se alfabetizado assim.
“Eu chorava e pedia ao meu pai para me deixar entrar na escola. Só que ele dizia que, se eu entrasse, eu teria outro motivo para chorar. Eu nunca poderia entrar na escola de novo, não tínhamos dinheiro para pagar. Meu pai juntou a família e tentamos ver qual dos filhos teria mais sucesso se fosse para a escola. Escolhemos a Zilda. Sete irmãos trabalhavam para que essa minha irmã estudasse e nos ensinasse depois”, revelou.
À época, Jorge trabalhava ajudando o pai, catando madeira no meio da mata para fazer carvão. Na vida, teve experiências como marceneiro, pedreiro, dono de casa de cópias – foi andarilho no Nordeste para achar emprego.
Começou a escrever os cordéis aos 12, ao ouvir as histórias que alguns homens liam à beira de uma fogueira, tarde da noite, após um dia de trabalho. Não sabia que era bom naquilo.
Só descobriu aos 18, numa viagem a Sergipe, quando um homem leu os textos e pagou por eles. Se ganhava dinheiro, tinha talento e precisava investir nele. Naquele tempo, ainda chamavam os cordéis de “livros de histórias”. ‘A poesia, a lenda, era história’, definiu Jorge.
“Nunca estudei em escolas, mas sempre li muito. Fazer cordel é entender a história do Brasil, do nosso Nordeste, saber contá-la com estética e métrica. Falo sempre que é importante saber contar a desgraça com graça. Por isso, pessoas com mais estudo e condições do que eu vêm e compram minhas obras”, disse.
É essa vontade e inveja de não ter ido à escola que faz Jorge ajudar estudantes carentes de Alagoas. Ele custeia o material das crianças, “para formar mais pessoas que produzam cultura”, para que tenham uma chance como ele teve.
Pai de oito filhos e viúvo, Jorge deve à esposa o cordel que mais vendeu. Em uma discussão dentro de casa, a esposa o chamou de feio e ele a chamou de feia. Daí, nasceu “Mulhé Feia”.
“Preciso só de uma palavra para escrever um cordel. Minha mulher era a mais bonita do mundo, foi meu amor, mãe dos meus filhos, minha companheira”, parou, meio emocionado e emendou: “Quando comecei a escrever, ela rasgou o livro três vezes. Fui, escrevi escondido, ganhei três mil reais e dei dois mil a ela, nunca mais reclamou”, finalizou Jorge, rindo.
Calheiros já se apresentou em vários estados do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco. Nas palestras, as pessoas sempre se surpreendem quando ele entra.
“Quando veem meu currículo, as pessoas pensam que vou chegar todo bem vestido, de terno e gravata. Aí eu entro, bem simples, converso com todo mundo, roupas confortáveis. É o jeito que gosto.”
Aos 80 anos, o alagoano Jorge Calheiros recita seus textos com facilidade. Consegue explicá-los fazendo alusão aos ritmos de Luiz Gonzaga, Cara Véia, Caju & Castanha, Teixerinha, por exemplo. Elegante, é ele mesmo quem produz os próprios cordéis. Imprime, recorta, cola e, de vez em quando, até desenha as caricaturas que os acompanham.
Sentado em uma cadeira antiga, feita de madeira, e com uma luz fazendo as vezes de luminária, Jorge pega a caneta e tece mais algumas palavras para o próximo cordel. Feito teia de aranha, diz ele, uma palavra puxa a outra e a sustenta. É assim que vive. É por isso que não esquece os textos com o tempo.