Sil da Capela e as esculturas da vida alagoana que ganharam o mundo
Josué Seixas
MACEIÓ A passagem de Maria Luciene da Silva Siqueira para se tornar Sil de Capela envolveu o canavial na infância em Alagoas, o nascimento da filha autista e a descoberta do talento de artesã, brotado da necessidade.
As esculturas de Sil, que contam o dia a dia da vida nordestina, ganharam projeção e já foram vendidas para países como França, Bélgica, México, Canadá e Estados Unidos.
A artesã perdeu as contas de quantas peças já criou. Parte de suas obra divulga pelas redes sociais, em seu Instagram.
São peças de santos da cultura popular, como São Francisco, presépios e outras pelas religiosas. Há também uma cena comum, de famílias embaixo de pés de jaca. Moradores dançam ao som de sanfonas, próximo a capelas, casas e pés de caju.
Uma das peças que chama atenção é uma grandes escultura, em três camadas empilhadas, de pés de jacas cobrindo um vilarejo. Sob a sombra dessas árvores, homens conversam sentados nas mesas, com um cachorro aos pés, enquanto mulheres proseiam na frente das casas e alimentam seu filhos.
A obra, entre outras peças de Sil, ficou exposta no museu Theo Brandão, em Maceió, até o início deste mês.
A vida na arte para Sil só brotou depois da maternidade, para gerar renda para o tratamento de saúde da filha.
O repertório para criar, do barro, cenas do cotidiano veio da própria vida. Aos oito anos, ela já trabalhava em canaviais da zona da mata alagoana, para ajudar na criação de seus 11 irmãos mais novos e dos pais, também trabalhadores rurais.
Pouco tempo depois, foi obrigada a sair de casa. O dono da fazenda arrendou a propriedade. Sil juntou-se com o namorado e foi morar em Capela, ainda no interior de Alagoas.
Ela foi mãe de uma menina autista, Maria Cristina, pouco antes de completar 17 anos. Francisco André, companheiro dela até hoje, tinha 16 anos. O casal está junto há 23 anos.
Sil e André não tinham renda fixa. Ela não trabalhava; ele fazia bicos. Para sair da situação financeira complicada, Sil participou de uma oficina para mães com filhos especiais, ministrada pelo mestre João das Alagoas.
“Eu perguntava a Deus por que botou Cristina em meus braços se eu não tinha condições de cuidar dela, era muito nova. Faltava experiência, mas se Deus me deu ela é que tinha algo de bom para mim. Foi por conta dela que eu conheci a arte”, contou Sil.
Com a filha pequena, Sil conheceu o ateliê de João das Alagoas. Ela se apaixonou pelo trabalho do mestre ao ve-lo construindo um São Francisco imenso, no barro.
As primeiras obras de Sil foram cavalinhos. Queria homenagear o pai, que trabalhava como cambiteiro, “o homem que carrega o burro para espalhar a cana para que as mulheres caminhem e plante”, nas palavras dela.
Foram muitos cavalinhos até encontrar com Jerônimo Miranda. Galerista e colecionador de arte popular de Maceió, ele comprou todas as peças.
Foi a partir daí que Sil viu seu trabalho sair de Capela. As obras chegaram a São Paulo, saíram em revista de circulação nacional e reportagens de TV. Sil até participou de uma novela da TV Globo, onde mostrava seu trabalho.
O casal ainda vive em Capela com a filha mais velha, Maria Cristina, 22, Andressa, 18, e Carlos André, 17.
“Eu não tinha casa, hoje eu tenho. Não tinha oportunidade de viajar, hoje eu tenho. Não tinha como pagar alguém para tomar conta dela, hoje tenho. Tudo isso é o meu trabalho que eu me dedico tanto e que está dando esse conforto para a gente.”