Minas reúne milhares de violeiros e fabricantes de viola em aplicativo
Renê Moreira
FRANCA (SP) Presente não apenas nas duplas sertanejas, como também nas folias, congado e catira, a viola caipira já é um bem imaterial em Minas Gerais. O estado deve lançar até o fim do ano um aplicativo que mapeia quem são e onde estão os violeiros e fabricantes da viola caipira espalhados por Minas.
Além do estado, somente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul imortalizaram um instrumento parecido, a viola-de-cocho.
Até agora o sistema, criado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas (Iepha-MG), já soma 112 fabricantes e 1.543 violeiros e violeiras de 480 municípios.
Os dados reúnem até o momento violeiros e fabricantes principalmente do triângulo, sul e sudeste mineiro.
Na plataforma será possível verificar, por exemplo, nome, cidade, há quanto tempo que o violeiro toca e que tipo de afinação usa no instrumento.
O processo de registro dos músicos tem o apoio de prefeituras e de grupos de folia, que incentivam a inscrição e disponibilizam computadores e ajuda àqueles sem acesso à internet. Antes da plataforma ser lançada pesquisadores realizaram seminários, análise de bibliografias e ações de campo que comprovaram a grande quantidade de violeiros em Minas.
No estado são milhares de apaixonados pela viola. “Ela só me traz coisa boa. Às vezes estou meio borocoxô, aí pego a viola, começo a fazer um barulho e esqueço de tudo”, diz outro violeiro, Cândido Pereira da Mota. Morador de São Francisco, no norte mineiro.
Ele começou a tocar cedo, aos oito anos de idade e influenciado pelo pai. Ao saber sobre o cadastro, ele se inscreveu com a ajuda de outros músicos e da prefeitura.
Sebastião Reis da Silva, 83, mais conhecido por Tião Aparício, é da cidade de Itaú de Minas, no sul do estado. Ele ainda não se cadastrou na plataforma e pretende pedir a ajuda de parentes acostumados às novas tecnologias.
Violeiro há 50 anos, Aparício contabiliza troféus obtidos em concursos e homenagens e que hoje ilustram a estante da sala de sua casa.
“Comecei a tocar na Folia de Reis e depois fui para a música sertaneja, onde tive duas duplas, mas os parceiros já morreram”, contou. “Gosto de tocar viola porque alegra o coração e ajuda a dispersar as tristezas da vida”, completou.
O violeiro ou fazedor de viola que quiser entrar no mapa mineiro da música caipira pode se inscrever na plataforma.
No rock
A viola caipira foi introduzida no Brasil a partir do século 16, inspirada nas violas trazidas pelos portugueses. Composta por um por braço e caixa de ressonância em formato cinturado, ela se difere do violão por ter dez cordas geralmente divididas em cinco pares. Seu som é referência para duplas sertanejas, estando presente ainda em outros ritmos e gêneros musicais.
A viola consagrou músicos como o sertanejo Tião Carreiro, nascido em Montes Claros (MG) e já falecido. Seus acordes serviram de inspiração até para Keith Richards, guitarrista que em discreta passagem pelo Brasil com o Rolling Stones, em 1.969, foi parar em uma fazenda em Matão (SP) e teria se encantado ao ouvir o som do tocador mineiro. A experiência acabou influenciando na criação de sucesso da banda inglesa.
A história é contada no livro “Sexo, Drogas e Rolling Stones” (Editora Agir), de Nélio Rodrigues e José Emílio Rondeau, e objeto do documentário “Aliens 69: Quando os Rolling Stones invadiram Matão”, realizado por estudantes da Uniara (Araraquara-SP).
Também é citada na autobiografia “Vida” (Editora Globo), lançada pelo guitarrista. No livro, Richards conta que ele e Jagger estavam na fazenda quando compuseram Country Honk, canção que depois passou a se chamar Honk Tonk Women, atravessou décadas e em 2016 ganhou uma versão acústica.
Para produzir uma viola a madeira deve ser boa, explica Zé Floresta, cantor sertanejo e fabricante do instrumento em Uberaba, na região do Triângulo Mineiro. Ele, que ainda não se cadastrou na plataforma, conta como escolhe a matéria prima. “Quando vejo que vão cortar alguma árvore, por causa de obra ou outro motivo, já faço a encomenda”. Além da madeira ideal, ele ressalta que a produção de viola exige bons acabamento, timbre e afinação.
Comemoração
Segundo o estudioso Carlos Felipe, de Belo Horizonte, não existe cultura em Minas sem a viola. “Ela tem um valor histórico profundo para a gente”. Por isso, diz ele, “mesmo que tenha demorado tanto tempo”, está sendo valorizada “a essência da alma mineira”.
A decisão do Conep (Conselho Estadual do Patrimônio Cultural) de imortalizar a viola fez um ano no dia 14 deste mês. E, sem contar a plataforma digital reunindo informações a respeito dos músicos, a data está sendo marcada pelo lançamento de um livro sobre o tema e o documentário “Violas: o fazer e o tocar em Minas Gerais”, este disponibilizado também no Youtube.
As duas obras surgiram a partir de pesquisa realizada ao longo de 2018 e, além de contarem a história, trazem uma radiografia detalhada sobre a presença do instrumento no estado.