Dona Eulália e o bolo de arroz que celebra os 300 anos de Cuiabá

Vinícius Lemos

CUIABÁ Nos fundos de uma casa do bairro Lixeira, um dos mais tradicionais de Cuiabá, um salão abriga a produção de Eulália da Silva Soares, 85. No lugar, há mais de seis décadas, são vendidos os bolos de arroz da idosa. Os quitutes, que deram fama à expressão ‘tchá cô bolo’, se tornaram uma das principais referências gastronômicas de Cuiabá, que completa 300 anos nesta segunda-feira (8).

Dona Eulália, como é conhecida, nasceu na região rural da cidade. Na vida adulta, casada e com duas filhas, ela e o marido se mudaram para a área urbana, em busca de oportunidades de trabalho. Ele era pedreiro, enquanto a esposa cuidava do lar.

Eulália da Silva Soares, 85, conhecida pelos bolinhos de arroz que produz em Cuiabá – Crédito: Amaury Santos/Divulgação

As dificuldades financeiras fizeram com que a cozinheira buscasse alternativas para complementar a renda da casa. Foi quando resgatou uma memória familiar. “Eu me lembrei de uma tia, que sempre fazia bolo de arroz para a gente”.

A cozinheira não tinha a receita do quitute. Testou, muitas vezes, até acertar o ponto. A partir de então, em 1958, passou a comercializar os bolos. “As pessoas gostaram muito e comecei a receber encomendas.”

Os bolos de arroz fizeram sucesso nas ruas e em festividades locais. Ela abriu um pequeno espaço para comercializar os quitutes, no quintal de casa —onde permanece até hoje, após reformas.

A expressão cuiabana ‘tchá cô bolo’, já antiga, ganhou personificação com o produto feito por Eulália. “A relevância dela para a cultura cuiabana pode ser medida pelo espaço que ocupou, ao longo das décadas, no comércio local”, explica o pesquisador João Vicente Ferreira, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

Além de arroz, a receita leva mandioca (ela faz uma espécie de massa com os dois), além de açúcar, manteiga, coco e canela. Eulália acorda às 3h para temperar a massa do bolo com os demais ingredientes.

Atualmente, os demais procedimentos são feitos pelos parentes dela. A cozinheira, há dois anos viúva, tem oito filhos, 21 netos e 26 bisnetos –grande parte deles ajuda no Eulália e família.

“A Eulália contribuiu para popularizar os bolos de arroz no Estado. Apesar de haver muitas pessoas que fazem, ela é a responsável pela popularização dos quitutes, por ter se tornado referência”, diz o pesquisador.

Além dos bolos de arroz, o estabelecimento passou a comercializar bolo de queijo e chipa. Os alimentos são assados em fornos a lenha. Cada quitute custa R$ 3. Ela vende 2.000 unidades aos domingos, dia em que clientes fazem filas que chegam a ultrapassar o portão de entrada do lugar.

Dona Eulália também produz outros produtos, como bolo de queijo e chipa – Crédito: Vinícius Lemos/Folhapress

O ‘Eulália e família’ abre às 5h30 e funciona até as 10h às terças, quintas e sextas-feiras. Aos sábados, domingos e feriados, vai até as 11h.

No local, Eulália tornou-se atração. Muitos pedem para tirar fotos ao lado da idosa. “Quando comecei, nunca imaginei que as coisas tomariam proporções tão grandes”, afirma. E explica o motivo da fila: “É porque sempre fiz com muito amor”.