No Acre, mulher freteira enfrenta lama, chuva e preconceito

Estelita Hass Carazzai

XAPURI (AC) – Ser freteiro é uma profissão de utilidade pública em Xapuri, no interior do Acre, terra de Chico Mendes.

Boa parte dos moradores vive em área rural e de florestas, onde só se chega por meio de estradas de terra. No inverno amazônico, que vai de outubro a março, os “ramais”, como são chamadas as estradas, ficam enlameados –e ai de quem não tiver carro com tração para se locomover.

A freteira Samara Melo, 27, é uma das que percorrem o trecho. Dona de uma caminhonete com tração nas quatro rodas, ela transporta gente, mudança, mercadoria, remédio e até bicho. “O que for pra levar, eu levo ‘mermo’”.

Atualmente, ela é a única freteira mulher na cidade. E diz ter o respeito de todos, à exceção dos ex-namorados que queriam que ela parasse com o serviço.

“Tem cara que não aceita, acha que eu tinha que ficar o dia dentro de casa”, disse Samara. “Eu não gosto de depender de homem.”

Ela herdou a profissão do pai. Aos 22 anos, começou a dirigir uma caminhonete velha da família.

Em seu primeiro ano, “se atolava à toa, por nervoso besta”. “Achava que nunca ia dar conta de passar num canto ruim, que não era vida pra mulher… Tudo isso aí me passava na cabeça. Aí fui indo, aprendi”.

Hoje, ela se diz acostumada. Troca pneu, conhece todo mundo e diz ser “é doida”, por pegar ramal na chuva. “Tem frescura, não.”

Num universo majoritariamente masculino, Samara é desbocada, fala rápido e responde para todos que a perguntam que é casada, mesmo quando não era. “Não dou confiança. Se a mulher que não é tão feia der moral para todo homem, dá arruaça”.

Na boleia, ela recomenda a quem dirige por estrada enlameada que procure sempre ir pelo meio, e não pelos cantos (porque, se houver uma vala na beirada, o carro corre o risco de escorregar e atolar); acelere “na manha”, engrenado na primeira, para passar por trechos críticos. E jamais freie na subida.