Lava-pés gratuito, viagem de bicicleta e assalto: o Círio de Nazaré no Pará

Augusto Pinheiro

BELÉM A professora aposentada Márcia Marques, 52, acordou cedo na quarta-feira (10) para encarar a caminhada de 27 horas entre Castanhal e Belém para participar no domingo do Círio de Nazaré, na capital paraense, uma das maiores procissões católicas do país.

No ano passado o evento reuniu quase dois milhões de pessoas nas ruas da cidade (cuja população é de 1,4 milhão), segundo contagem no Dieese, órgão que faz a medição do público da festa. Em 2013, o Círio foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. A festa, em homenagem à Virgem de Nazaré, padroeira do Pará, ocorre todo segundo domingo de outubro –que neste ano, caiu dia 14.

“Saímos ontem às 7h30, cerca de 800 pessoas. Passamos pela vila de Apeú e, depois, pegamos a BR 316 e chegamos hoje às 10h30 aqui na Basílica de Nazaré, em Belém”, conta Márcia, citando a igreja que é o ponto final da procissão do Círio –que sai da Catedral Metropolitana com a imagem da Virgem de Nazaré em uma berlinda.

Romeira, a professora aposentada Márcia Marques, 52, andou 27 horas para participar da festa do Círio de Nazaré. Fotos: Augusto Pinheiro/Folhapress

Durante o trajeto até Belém, Márcia conta que usou um “chapéu de caçador, com aba atrás”, bastante protetor solar e bebeu muita água para se proteger “do sol escaldante do Norte”. “Fizemos paradas nos pontos de apoio para usar o banheiro e para comer, pois eles nos dão comida gratuitamente. Mas nem tudo é fácil: o pé enche de calos, o joelho vai endurecendo. Quando a gente senta, acha que não vai mais levantar. Porém a fé é mais forte”.

No percurso houve um assalto de pessoas que iam muito à frente do grupo. “Homens armados levaram joias, dinheiro e celulares”, diz. Este ano, a romeira fez pedidos à Virgem de Nazaré para ajudar uma neta a passar no vestibular e para que tudo saia bem na formatura de outra neta.

Ao chegar à basílica, Márcia foi recebida na Casa de Plácido, local de atendimento e recepção. Há restaurante, comida gratuita e até mesmo uma organizada a área de lavar pés, além de massagem e uma zona de descanso com colchonetes e banheiros. “Alguns romeiros são encaminhados diretamente para a equipe de saúde, porque estão com os pés cheios de bolhas, pressão alta ou dores abdominais”, diz Úrsula Rodrigues, coordenadora da Pastoral da Acolhida.

Lava-pés na Casa de Plácido, local de atendimento e recepção de romeiros

A casa já recebeu romeiros que vieram a pé de outras capitais, como São Luís, a 792 km de Belém, e de Teresina, a 907 km.

O romeiro Antônio Figueiredo Santos, 43, vigilante, veio de bicicleta a Belém, com mais 16 pessoas, incluindo mulher e filha, saindo de Bragança, a 210 km. “Foram pouco mais de 16 horas de percurso. Saímos às 2h da madrugada, melhor hora para viajar por evitar o sol forte. Viemos acompanhados por um carro de apoio, que levava água, laranja, banana e outras frutas”.

O trajeto foi alongado em 20 km porque o grupo preferiu passar pela zona turística do nordeste paraense, que segue o trajeto da antiga estrada de ferro Belém-Bragança. Ele seguirá a procissão do Círio no domingo também de bicicleta, “atrás de todo mundo para não atrapalhar”. “Estou agradecendo Nossa Senhora por eu ter arrumado trabalho.”

Também na Casa de Plácido, um grupo de cerca de dez pessoas de Ontário, no Canadá, estava animado para participar do Círio. “Nossa diocese é irmã da diocese paraense. Viemos aqui para um retiro espiritual, mas vamos aproveitar para ver a procissão”, conta Brittney Cartwritht, 27, que é protestante. “Mas me explicaram que o Círio reúne pessoas de todas as religiões. Isso é mágico.”

Voluntária faz curativo em pé machucado de romeiro