A guardiã de cães e gatos de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo

Reginaldo Pupo

ILHABELA No dicionário de Dochie Dobrota, 61, Ilhabela é um conjunto de ilhas cercado de cães e gatos doentes e idosos por todos os lados que precisam de um lar. No litoral norte de São Paulo, a aposentada há 20 anos recolhe nas ruas do arquipélago animais em sua maioria com idade avançada ou alguma enfermidade e os leva para sua casa.

Apesar de já aposentada, Dochie gasta a maior parte do salário que recebe como balconista em um supermercado para adquirir ração e medicamentos. “Estou cansada, exausta, com idade avançada, mas preciso do trabalho para alimentá-los. E permanecerei assim enquanto tiver forças.”

A aposentadada Dochie Dobrota, 61, com um dos 48 cães e 150 gatos que recolheu nas ruas e que abriga em sua casa em Ilhabela, no litoral norte de SP. Crédito: Reginaldo Pupo-2.fev.2018 / Folhapress

Muitos dos bichos foram encontrados com doenças terminais, câncer e até mutilações. “Animais doentes, aleijados, ninguém quer adotar. Preferem os sadios, bonitinhos”, diz ela.
Para abrigá-los, ela construiu um canil e um gatil improvisados, erguidos com restos de madeira, cercas de arame e telhas de amianto nos fundos de sua casa, também feita em madeira, no alto de um morro, longe da vizinhança.  Mesmo assim, já recebeu queixa de vizinhos incomodados com os latidos.

Procurada, a Prefeitura de Ilhabela não informou se há queixas formais contra Dochie nem se há alguma irregularidade sanitária pelo fato de ela acumular animais, muitos doentes, em sua casa.

Ela conta que, de forma voluntária, veterinários fazem consultas regulares aos cães e gatos, que são vacinados e vermifugados. Em 2010, a prefeitura demoliu o canil e o gatil erguidos por ela, sob a alegação de que a estrutura estaria irregular. “Não me notificaram, não avisaram. Simplesmente chegaram aqui e colocaram tudo abaixo, mesmo com os cães e gatos”, conta ela.

Anos depois, ela diz que recebeu indenização após ter ingressado com ação judicial contra a prefeitura por danos morais, por intermédio de uma advogada que também trabalhou de forma voluntária no caso.

O canil atual já está com sua estrutura comprometida e com risco de desabar.

Devido às dificuldades financeiras, Dochie depende de doações de voluntários para alimentar “seus filhos”, como ela gosta de chamá-los. “Recorro a amigos, a pessoas que gostam de animais. Tem mês que eles podem ajudar, mas nem sempre é possível”.

Além da renda da aposentadoria, ela trabalha em supermercado para complementar os gastos com ração

No último dia 14 de fevereiro, Dochie levou um grande susto. Acabou caindo de uma altura de 40 metros ao lado de sua casa, após tentar resgatar uma cadela que havia despencado pela ribanceira. Ao tentar descer, escorregou após a vegetação não suportar seu peso.

Foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros com escoriações leves, após duas horas de operação de resgate. “Faria tudo de novo, por amor que tenho pelos cães”.