Laranjas escondem contrabando em fundo de carro, lingerie e até no tênis
POR MARCELO TOLEDO, EM SANTA TEREZINHA DO IGUAÇU (PR)
O policial rodoviário federal para um carro na BR-277 e começa a vistoria-lo. Abre o porta-malas, o porta-luvas e não detecta nada estranho. Mas o comportamento nervoso do motorista desperta sua atenção, e ele continua a analisar o veículo.
Após dez minutos de vistoria, encontra um fundo falso atrás do carpete que reveste o carro e acha um depósito sob o banco traseiro do veículo.
Dentro dele, um montante estimado em R$ 30 mil em smartphones, tablets e outros eletrônicos, oriundos de Ciudad del Este, cidade paraguaia fronteiriça com Foz do Iguaçu (PR).
A barreira policial estava montada no posto da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Santa Terezinha do Iguaçu (PR), primeiro município após Foz.
A Folha ouviu, no local, seis pessoas que atuam como laranjas no contrabando e foram flagradas com mercadorias ilegais. Elas justificam a prática como sendo algo “cultural” nas cidades no entorno da fronteira e dizem depender do dinheiro levantado na atividade para manter suas famílias. Quatro dos laranjas afirmaram ter familiares doentes em casa –é o argumento mais comum usado ao serem flagrados, de acordo com auditores da Receita Federal que também participavam da operação.
Um brasileiro, estudante universitário no Paraguai, tentou levar até São Miguel do Iguaçu, cidade vizinha, duas sacolinhas com produtos contrabandeados. Os celulares, câmera de vídeo e perfume foram apreendidos.
Como as mercadorias não estavam escondidas –tinham sido colocadas no porta-malas–, elas ficaram retidas e o veículo foi liberado, o que não ocorreu no caso do automóvel com fundo falso, que também foi apreendido.
O estudante foi um dos dois laranjas pegos que não afirmou usar o dinheiro do contrabando para auxiliar familiares enfermos. Segundo ele, com o dinheiro obtido durante o mês pagaria a mensalidade da faculdade.
Após ter sido flagrado, em vez de ir a São Miguel, destino inicial, retornou para Foz. Para os agentes da PRF, é comum isso ocorrer, já que o único intuito da viagem é transportar as mercadorias de Foz até uma cidade do entorno. De lá, as várias viagens feitas pelos laranjas resultam num montante que é transportado em veículos maiores para locais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Na delegacia da Receita Federal, na região central de Foz, os ônibus apreendidos nas fiscalizações rodoviárias passam por um pente-fino para a definição dos valores transportados pelos passageiros. Cada um tem uma cota de US$ 300 isenta de imposto.
Mas não basta comprar menos que o limite para se ver livre da fiscalização. Os agentes também analisam se os produtos adquiridos têm conotação comercial –muitos de um mesmo modelo, por exemplo. Se tiverem, ainda que a soma total fique abaixo dos US$ 300 as mercadorias são apreendidas.
“Pode ter gastado US$ 100, não importa. Se ficar definido que havia destinação comercial, as mercadorias são apreendidas”, disse o auditor fiscal Vagner Diogo de Souza, chefe da equipe de repressão da Receita em Foz.
Para tentar escapar da fiscalização, laranjas escondem produtos como modelos mais novos de iPhone sob as palmilhas dos calçados.
Após ser flagrado nessa prática, um jovem de 19 anos limitou-se a dizer à Folha que estava “apenas trabalhando”.
A reportagem encontrou também uma mulher que foi pega após ter colocado dois perfumes dentro do sutiã –as embalagens ficaram aparentes, de fácil detecção pelos fiscais.
Na operação acompanhada pela Folha, dois ônibus foram levados até a delegacia da Receita lotados de contrabando. Em média, um laranja recebe de R$ 100 a R$ 150 por viagem. O valor depende da distância percorrida.