Hamilton, o guardião de 400 chaves do comércio no interior do Paraná
SEBASTIÃO NATALIO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PONTA GROSSA
Com um molho de 400 chaves nas mãos, nenhuma com identificação, seu Hamilton Macedo, 81, percorre as principais ruas de comércio de Ponta Grossa, no interior do Paraná, abrindo e fechando as vitrines.
A rotina começa às 5h da manhã e termina por volta de 8h, quando as lojas devem estar com os produtos à mostra para o início do horário comercial. À noite, por volta das 21 horas, ele volta para fechá-las. Ao todo são 67 lojas, mas já foram bem mais.
A vida do seu Hamilton, hoje aposentado, mudou quando ele tinha 48 anos e ficou sem emprego. Ele conta que na época, com essa idade, era difícil achar trabalho com carteira assinada.
Desempregado, com a mulher e duas filhas para criar, foi a uma loja da cidade e ofereceu-se para fechar e abrir as vitrines. “Imagine alguém confiar as suas chaves a um estranho? Mas a dona Iliana confiou em mim e, aos pouquinhos, outras lojas se interessarem pelos meus serviços”, conta o “fechador de vitrines”, profissão que ele acredita ter inventado. “Tudo por necessidade”, diz.
A empresária Iliana Corrêa Busnardo, a primeira a lhe confiar as chaves, diz que estabeleceu com ele uma confiança tão grande, que passou a participar da vida da sua família.
“As pessoas precisam confiar umas nas outras. Assim como meus fornecedores confiam em mim, eu preciso confiar nas pessoas, em meus clientes. Foi isso que aconteceu, hoje somos amigos”, diz Iliana.
Nas ruas ele é chamado de “São Pedro”, referência ao santo a quem é atribuído o encargo de carregar as chaves do céu. Hamilton conta que mesmo no dia do falecimento da mulher, Neusa, ele saiu do velório à noite e pela manhã para fazer o seu trabalho.
”Ninguém fazia esse serviço e mesmo nessa hora de dor eu tive que ir”, afirma. Segundo ele, não tem feriado, nem Natal, nem Ano Novo; faça chuva, frio ou sol.
Com as barbas brancas, fala calma, ainda muito forte, apesar de ter sofrido com um câncer de próstata, seu Hamilton revela que nunca foi assaltado e que conta com a ajuda dos moradores de ruas e com o pessoal dos food trucks, que são seus “protetores”. “Você só precisa retribuir o respeito às pessoas”, diz, levantando uma porta bastante pesada.
Por conta da idade avançada, o sobrinho, Cláudio Vieira, 50, divide a tarefa com o tio. Sobre o trabalho do seu Hamilton, Cláudio que é cabeleireiro durante o dia, diz que julga de grande importância para o comércio local. “Se você pesquisar, não vai encontrar outro que faça o mesmo trabalho do meu tio e viva exclusivamente dele”, afirma.