O quilombo gaúcho e o antigo palacete que escondia as joias da baronesa
ANA LUIZA ALBUQUERQUE
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Quem passa com o olhar despercebido não deve imaginar quantas histórias se escondem nos quase 4.500 m² que formam o Quilombo do Areal, em Porto Alegre (RS). Foi em uma rua sem saída, no centro da cidade, que cerca de 80 famílias descendentes de escravos permaneceram ao longo das décadas.
Já quem passa com o olhar mais atento tem a atenção capturada pelas desbotadas fachadas originais das casas. No século 19, existia ali uma chácara, parte do Areal da Baronesa, extensão de terra pertencente ao Barão e à Baronesa de Gravataí.
Com a morte do barão, a baronesa se tornou a única responsável pelo local e, sobrecarregada, solicitou o loteamento da chácara, cedendo lugar a habitações populares no local.
Entretanto, quando a baronesa morreu, um caixeiro-viajante chamado Luiz Guaranha (que dá nome à rua) tomou conta do local, registrando as propriedades e cobrando aluguel. Sem herdeiros, Guaranha morreu e deixou o território para a Santa Casa de Misericórdia, instituição para a qual os moradores pagaram aluguel por um longo período.
PALACETE
Foi na década de 1820 que a Baronesa de Gravataí construiu o palacete que é símbolo do lugar. Nele, quase duzentos anos depois, mora a telefonista Fabiane Xavier, 41, secretária da associação comunitária do Quilombo do Areal.
Fabiane relata o momento no qual “caiu a ficha” das raízes de onde vive. A surpresa foi grande quando, em meio à pesquisa do Incra, teve o chão de sua casa esburacado –e lá, nas profundezas do subsolo, foram encontradas as joias da baronesa.
O processo de regularização do quilombo foi aberto em 2005. Em 2014, a comunidade recebeu a Portaria de Reconhecimento de Comunidade Remanescente de Quilombo. Agora, ainda resta efetivar a titulação das terras, que pertencem à Prefeitura.
Reportagem da Folha em dezembro mostrou que outro quilombo, o Costa da Lagoa, no município de Capivari do Sul, 80 km de Porto Alegre, ainda não conseguiu a titulação.
O território possui certificação da Fundação Cultural Palmares desde 2006 e abriu processo de regularização fundiária no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 2011.
Nele, a pesquisa de antropólogos do Incra atesta que a identidade étnica do local não é apenas rememorada, mas “vivenciada e preservada nas relações de compadrio, parentesco e reciprocidade”.