‘Barco fantasma’, capacetes e índios aliciados: as táticas do contrabando para entrar no Brasil

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POR MARCELO TOLEDO, EM RIBEIRÃO PRETO

De um lado, um “barco fantasma” de uma quadrilha paraguaia navegava tranquilamente nas águas do lago de Itaipu quando foi surpreendido por agentes da PF (Polícia Federal). Um outro grupo de contrabandistas, dias antes, tentou romper o mesmo lago utilizando capacetes na potente lancha –novo escudo para se proteger de eventuais tiros disparados por policiais brasileiros.

Já uma terceira quadrilha conseguiu passar para o lado brasileiro graças à construção de um porto clandestino em Salto del Guairá, cidade do Paraguai que fica na fronteira com Guaíra, no Brasil.

As táticas utilizadas por contrabandistas para driblar a fiscalização na fronteira entre os dois países inclui, ainda, aliciamento de índios, armazenamento de produtos de origem ilegal em aldeias e a colocação de até três motores nas lanchas para ganhar velocidade nas águas.

Folha acompanhou fiscalização da PF na fronteira, flagrou a construção de um porto clandestino e, nos dois últimos meses, monitorou a ação de contrabandistas na fronteira a partir de ações da Marinha e da PF.

“É uma briga de gato e rato. Temos de ficar em cima, pois são muito rápidos para abrir locais para escoamento de contrabando”, afirmou o agente da PF Pablo Morales, que atua no Nepom (núcleo Especial de Polícia Marítima) de Guaíra.

Um dos problemas é que os agentes da PF que trabalham na fronteira são monitorados 24 horas por dia por espiões das mais de dez quadrilhas que atuam na região, como a Folha revelou.

Na madrugada de 23 de novembro, os agentes fizeram uma apreensão de cigarros estimada em R$ 400 mil -incluindo a embarcação-, mas quando chegaram ao local, em pleno lago de Itaipu, encontraram apenas um “barco fantasma”, sem nenhum contrabandista.

Os membros da organização criminosa, quando perceberam a fiscalização ainda distante, abandonaram o barco e fugiram na água.

Duas semanas depois, em 6 de dezembro, uma lancha de 5,5 m de comprimento, carregada com 50 caixas de cigarro e munições de armas calibre 12, foi apreendida após perseguição no rio Paraná, também na madrugada.

Militares da Marinha e agentes do Nepom perceberam a lancha em alta velocidade e iniciaram a busca. Quando a quadrilha percebeu que a fiscalização se aproximava, atirou caixas de cigarros na água, para dificultar a navegação.

Sem resultado, os contrabandistas se jogaram nas águas e abandonaram a lancha que, ainda em alta velocidade, bateu numa ilha existente no rio Paraná. Ela transportava 25 mil maços de cigarros paraguaios, num montante estimado em R$ 180 mil.

Já no dia 13, também homens da PF e da Marinha se envolveram numa operação que terminou com o abandono do potente barco pela quadrilha numa outra ilha. Na última quinta, mais três barcos foram apreendidos na região.

Os cigarros são o principal produto que as quadrilhas tentam infiltrar no mercado brasileiro, segundo Luciano Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira).

“Ele gera um lucro enorme, tanto que 48% do mercado nacional é dominado por marcas ilegais, de origem paraguaia.”

O contrabando de cigarros é apontado ainda como forma de financiamento de atividades até mesmo de grupos terroristas, como o Hezbollah, conforme relatório do Foundation for the Defense of Democracies, instituto de políticas dos EUA.

COLEÇÃO

Na sede do Nepom em Guaíra, há mais de uma dezena de capacetes apreendidos com contrabandistas expostos numa cerca na região em que ficam guardados os barcos utilizados na fiscalização.

As embarcações apreendidas também ficam armazenadas no local, à espera de uma decisão judicial que definirá o destino dos barcos.