Dois meses após naufrágio, barco segue no fundo d’água no Pará
POR CAROLINA LINHARES, EM BELO HORIZONTE
Nos últimos dois meses, nove famílias de vítimas do naufrágio de um rebocador próximo a Óbidos (PA) sofrem diariamente com a espera pelo resgate da embarcação. O Ministério Público e os familiares têm pressionado com o objetivo de evitar que o barco fique no fundo d’água, como já ocorreu num naufrágio anterior.
O plano de salvamento aprovado pela Marinha no mês passado prevê a retirada dos corpos em novembro.
O esforço para que a empresa Transportes Bertolini resgate sua embarcação quer evitar que o caso se arraste por anos, como aconteceu com o navio Haidar, naufragado em 2015 no porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), onde permanece até hoje.
Na sexta-feira (6), completam-se dois anos desde que o navio afundou com uma carga de quase 5.000 bois, o que gerou a poluição de praias por vazamento de óleo e pelas carcaças em estado de putrefação.
Em Santarém (PA), onde fica uma das sedes da Bertolini, familiares dos desaparecidos organizam protestos e mobilizações desde 2 de agosto, quando o rebocador com um comboio de oito balsas bateu em um navio cargueiro da Mercosul Santos e afundou no rio Amazonas.
A embarcação foi encontrada por um radar a 63 metros de profundidade, em um ponto a 15 km de onde ocorreu o acidente. O resgate será feito por uma empresa holandesa por meio de um guindaste flutuante, previsto para chegar ao Brasil no dia 28. As operações devem começar em 30 de outubro, com duração de 12 dias.
Segundo a Marinha, o plano de salvamento é detalhado –apresenta características do fundo do rio, localização da embarcação e prevê uma varredura sonar para determinar a posição exata do rebocador.
As pontas das garras do guindaste possuem sistema de jateamento, para limpar os sedimentos que eventualmente estejam prendendo a embarcação.
O prazo, no entanto, foi considerado longo demais pelos familiares, que processaram a Bertolini. O Ministério Público Federal do Pará também foi à Justiça pedir que o resgate dos desaparecidos seja feito antes de novembro, mas o pedido foi recusado.
O órgão ainda vê risco de que a embarcação esteja soterrada no leito do rio, inviabilizando sua retirada. Segundo o Ministério Público, as vítimas ainda não foram resgatadas porque a Marinha e os Bombeiros de Santarém não possuem mergulhadores ou equipamentos adequados.
O MPF pediu ainda que a União e o Estado do Pará sejam obrigados a elaborar um plano de emergência, com profissionais e equipamentos habilitados para salvamentos. Somente em agosto, houve três naufrágios na região.
“Os acidentes ocorreram em meio à intensificação do tráfego fluvial no rio Amazonas e seus afluentes, em decorrência da utilização desses rios como hidrovias para o escoamento de commodities agrícolas sem que tenha ocorrido simultaneamente o fortalecimento das instituições responsáveis pela segurança do tráfego aquaviário”, diz o MPF.
SEM RESPOSTA
O naufrágio do navio Haidar, em 2015, despejou 700 mil litros de óleo e quase mil carcaças de boi nas águas do rio. Outras 3.900 carcaças permanecem dentro da embarcação. O custo para remover o navio chega a quase R$ 60 milhões.
Segundo a Secretaria do Meio Ambiente do Pará, quase 4,5 mil pessoas moram na região impactada –-em Barcarena e Abaetetuba. Os moradores tiveram que usar máscaras para suportar o mau cheiro e dependiam do fornecimento de água.
“A gente vê uma fragilidade, porque não tem um plano de ação para situações como essa. Chegou a essa proporção porque o resgate demorou. Os municípios também não têm plano de contingência. E o fluxo de navios é grande”, disse a pesquisadora Erika Farias, da Universidade Federal do Pará.
As praias ficaram interditadas por seis meses, o que gerou impacto econômico para a população ribeirinha, que vive da pesca e do turismo. “A carne dos bois foi vendida de forma clandestina e a população consumiu, o que mostra a situação de pobreza que vivem.”
Ações questionam na Justiça as empresas responsáveis pelo navio e pela carga, além da Companhia Docas do Pará, que opera o porto de Vila do Conde. Em fevereiro de 2016, uma decisão determinou que a empresa apresentasse um plano para retirar o navio.
Em abril deste ano, a Promotoria denunciou cinco pessoas e quatro empresas por maus tratos, poluição ambiental e deixar de cumprir obrigação ambiental.
CASO A CASO
De acordo com a Marinha, a possibilidade de resgatar barcos é avaliada individualmente.
Em Óbidos e Barcarena, a orientação é pela remoção das embarcações. No primeiro caso, para atender aspectos ambientais e resgatar os corpos. No segundo, para liberar parte do porto e fazer a limpeza da área.
O órgão afirma ainda que retirar um barco naufragado é caro, por envolver equipamentos pesados, especialistas e mergulhadores. “Porém, sob o viés de impedir que essas embarcações causem um embaraço maior à segurança da navegação e à proteção do meio ambiente marinho, elas devem ser retiradas sempre que possível”, afirmou em nota.
OUTRO LADO
Foram denunciados pelo naufrágio do navio Haidar o capitão da embarcação, Barbar Abdulranhman, a empresa Tamara Shipping e seu dono, Hussein Ahmad Sleiman, a Companhia de Docas do Pará e seu presidente, Parfisal de Jesus Pontes, a empresa Norte Trading Operadora Portuária e seu sócio-administrador Jerferson Moraes de Assunção e a empresa Minerva e seu diretor-presidente, Fernando Galleti de Queiroz.
A defesa da Tamara Shipping informou refuta “responsabilidade pelos fatos alegados na denúncia”. “Demonstraremos no curso da instrução processual a inexistência do cometimento de qualquer infração penal.”
A Minerva, responsável pela carga de bois, informou que “após a entrega da carga ao armador, toda a responsabilidade passa a ser da empresa contratada para os transportes”. Afirmou ainda que “mantém uma equipe no local com objetivo de auxiliar as autoridades em todas as medidas necessárias, embora seja uma das partes prejudicadas pelo acidente”.
A Norte Trading não quis se manifestar. A Transportes Bertolini e os demais não responderam.