Adolescente quer ser primeira mulher cacique em sua aldeia
POR KELLY LIMA, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ALTAMIRA (PA)
Frustrada pelo que chama de “batalha perdida” –a construção da barragem e usina de Belo Monte– Anitta Juruna, 16, deixou a aldeia em que se criou para estudar a língua original dos jurunas no Parque Nacional do Xingu (MT), onde se concentram hoje mais de 5.000 indígenas.
A adolescente que passou a infância brincando no rio Xingu e acordava nas madrugadas com as explosões de dinamite da construção da usina, disse ver no resgate das tradições de seu povo uma nova forma de resistência e protesto.
Desde quando tinha um ano, suas brincadeiras foram intermeadas pelas discussões entre pais e vizinhos sobre o que seria Belo Monte e qual a melhor forma de resistir e negociar contrapartidas para proteger a região e as tradições.
Com a consciência de que a barragem mudaria a realidade da região, a família rompeu relações com os demais representantes jurunas presentes na aldeia Paquiçamba e endureceu a luta contra Belo Monte, a partir da fundação da aldeia Muratu num dos acampamentos de operários do empreendimento, e hoje soma no local 22 famílias, formada basicamente a partir do núcleo de 11 irmãos do cacique Gilliard Juruna, pai de Anitta.
Há dez meses, um acidente no rio levou um dos jurunas, irmão mais novo do cacique e muito próximo a Anitta. Planejavam viajar e conhecer outros lugares, e principalmente ir juntos para estudar as tradições dos jurunas no Xingu. “Decidi ir por mim e por ele, quando ele nos deixou.”
Como todas as adolescentes na mesma idade, Anitta tem celular –mais usado para selfies do que para o whattsapp, por falta de sinal– gosta das músicas de Maiara & Maraisa e “finge que acompanha” as músicas em inglês de Justin Bieber.
Pretende estudar essa língua depois de aprender a dos jurunas, e visitar os EUA quando “aquele loiro do mal” deixar o poder, numa referência ao presidente Donald Trump.
Seus sonhos? “Distribuir umas flechadas em Brasília”, brinca. Mas quando perguntada sobre sua disposição em se tornar uma liderança local e brigar pelos direitos indígenas, deixa de lado o sorriso farto e as brincadeiras. Sonha alto: “quero o lugar dele”, diz apontando para o pai, cacique de Muratu. “Está na hora de termos caciques mulheres, não?”
MUDANÇAS
Os reflexos da construção de Belo Monte geraram a realização de uma expedição à região. As mudanças vêm sendo alvo de monitoramento do ISA (Instituto Socioambiental) e da Associação Yudja Mïratu da Volta Grande do Xingu.
O instituto promoveu uma canoada com mais de 80 pessoas para remar 110 km Xingu abaixo, atravessando a área alagada e locais em que o rio está seco, o que obriga todos a literalmente carregar a canoa para atingir outro ponto de navegação.