Colecionador de antiguidades quer abrir a Disney dos carros em Minas Gerais
CAROLINA LINHARES
DE BELO HORIZONTE
Idealizador do que será a “Disney dos Carros” no Brasil, Jeferson Rios, 71, passa as quintas-feiras em busca de peças raríssimas necessárias para restaurar os veículos antigos que coleciona. Na última, dia 22, levou uma manhã inteira atrás de uma ponteira para o cano de descarga de um Cadilac 1956.
Sua equipe de mecânicos, porém, rejeitou o achado: ultrapassa em três centímetros a posição de encaixe do original. “Pra você ver o ponto que chega a esquizofrenia de ser o mais original possível”, diz.
Morador de Belo Horizonte, Rios restaurou 20 carros em 30 anos —hoje alugados para casamentos, festas e gravações de cenas de época. A coleção começou com uma jardineira de madeira de 1929. “Eu tenho muita história com essa jardineira. Ela abriu o primeiro desfile da Banda Mole nos anos 1970”, conta.
O acervo de Rios, porém, não se resumiu aos automóveis. “Normalmente, o colecionador de carros gosta dos acessórios que envolvem a época, mas não são tão fanáticos como eu. Eu costumo pegar coisas que me remetam à infância.”
É assim que ele explica os impressionantes cinco galpões lotados de TVs (inclusive a primeira do mundo), geladeiras, lambretas, vespas, rádios (inclusive um alemão do período nazista), bicicletas, relógios, bonecas, miniaturas e tudo quanto há.
“Todo dinheirinho que sobrava, eu ia comprando essas coisinhas”, diz. Hoje são 10 mil coisinhas. Muitas doadas também e tudo catalogado. “Não tenho ideia de quanto vale, é muita emoção.”
Para tirar a emoção do confinamento dos galpões, Rios está captando verba por meio da Lei Rouanet para o Mova (Museu de Objetos e Veículos Antigos).
O complexo de entretenimento lembra mesmo a Disney em seu projeto —terá espaço de exposição, restaurante, lanchonete, cinema, loja e oficina de restauração.
Um terreno já foi doado pela Prefeitura de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Rios quer ver o espaço de exposição e o restaurante prontos até o final de 2018. Todo o projeto custará R$ 20 milhões e deve ser finalizado em 2020.
CAÇADOR
“Eu seria um caçador de relíquias”, diz Rios, que não se considera colecionador, apenas alguém que leva a sério seu hobby. Quando começou, Belo Horizonte tinha dois clubes de colecionadores de carros. Agora são 35, com 800 membros —que se ajudam e se encontram periodicamente.
O interesse, porém, não tem nada a ver com sua profissão. Rios estudou bioquímica e abriu com o irmão médico a primeira clínica de assistência para empresas da cidade, onde trabalhou por 20 anos.
Filho de um médico com uma enfermeira, ele diz ter crescido admirando os carros dos vizinhos em Belo Horizonte. “Eu via aqueles carros maravilhosos e falava: um dia eu vou ter isso. Como eu não tinha condições de comprar pronto, comprava sucata e ia fazendo devagar”, conta.
“O que o colecionador gosta de fazer é tornar vivo o que estava morto. A peça mais querida que eu tenho é aquela que anda”, diz.
A peça de Rios que mais anda é uma jardineira 1957 da Chevrolet que percorre os 18 km do entorno da Lagoa da Pampulha levando mais turistas que belo-horizontinos, para chateação do colecionador, a conhecer a história da cidade e pontos turísticos aos finais de semana, feriados e terças à noite.
“Esse modelo é chamado Martha Rocha, a ex-miss Brasil. Segundo a Chevrolet, é a carroceria mais bonita que eles fizeram, e os para-lamas inspiram o corpo de uma mulher”, explica Rios, que levou oito anos para restaurá-la.
Ele afirma também que o ônibus de 25 lugares recebe o nome de jardineira porque originalmente fazia viagens entre cidades do interior, sempre partindo do jardim da praça principal de cada lugar.
O Pampulha Retrô Tour começou em outubro do ano passado e é bancado basicamente pelo próprio Rios. Não há financiamento público envolvido, apenas alguma ajuda de empresas que têm propaganda na jardineira e a verba dos ingressos do tour. “É um trabalho social, estou cumprindo o recado de que a cultura deve ser despertada.”
Outro projeto com o governo de Minas prevê 60 viagens com alunos de escolas públicas, de 5 a 12 anos, para conhecer a Pampulha na jardineira. Parte dos gastos também ficarão com Rios.
“Queremos deixar para a próxima geração o trabalho que nossos antepassados fizeram para que a gente tenha o conforto de hoje. Na jardineira, os passageiros viajavam no pó ou no barro. Não tinha asfalto. E quando atolava, as pessoas tinham que empurrar.”
O trabalho na Pampulha o aproximou da obra de Juscelino Kubitschek, que quando foi prefeito de Belo Horizonte nos anos 1940 idealizou o conjunto arquitetônico moderno em torno da lagoa, com projetos de Oscar Niemeyer e paisagismo de Burle Marx.
“Me tornei um fã de JK. Ele tinha um otimismo irreparável e foi muito audacioso em fazer isso num período de guerra”, diz Rios.
Embora não tenha formação em história, Rios aprende e ensina ao participar de seminários como conselheiro do Estado na Cultura. Também é conselheiro de Segurança Pública, de uma associação de comércio e serviços, de uma área de preservação ambiental e, finalmente, é presidente da associação de moradores do seu bairro, Lourdes. Guarda ainda inúmeros prêmios e medalhas de honra por sua obra de colecionador.
Atualmente sua renda vem principalmente do aluguel de lojas que constrói em associação com uma pequena construtora. Rios conta com uma equipe de oito pessoas, entre mecânicos e uma das suas filhas, para manter o acervo, promover o museu e gerenciar a divulgação das suas atividades.