Migrantes da cana mantinham cidades no norte de MG

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MARCELO TOLEDO
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS A BERILO (MG)

O final de ano nas últimas décadas sempre teve significado diferente em cidades do Vale do Jequitinhonha (MG). Além de celebrar o Natal e o réveillon, a cidade parava em dezembro para festejar a chegada dos boias-frias que haviam deixado as lavouras de cana-de-açúcar do interior paulista e, com eles, a entrada de dinheiro na economia local.

Não é exagero dizer que municípios como Berilo viviam do dinheiro gerado nos canaviais de São Paulo. Viviam, pois a mecanização das lavouras de cana dizimou a onda migratória e prefeituras da região afirmam que hoje os municípios se mantém de serviços públicos e programas como o Bolsa Família.

Segundo a prefeitura, cerca de 4.000 trabalhadores locais migravam todos os anos em direção para as lavouras e assim conseguir dinheiro para manter suas famílias na cidade mineira.

Além de enviarem mensalmente recursos para as suas famílias, ao final da safra voltavam para casa com o dinheiro das rescisões trabalhistas, o que significava a “riqueza” que manteria o município nos meses seguintes, até o início da próxima safra. A safra de cana normalmente ocorre de março a dezembro.

Os 4.000 migrantes representavam um terço dos 12 mil habitantes do município e levavam, em média, R$ 5.000 cada um para suas famílias em dezembro, segundo relatos de ex-boias-frias e do prefeito, Lázaro Pereira Neves (PP) —ele mesmo um ex-cortador de cana, em fins da década de 70.

Com isso, injetavam na economia local R$ 20 milhões. Como comparação, o orçamento estimado do município para 2017 é de R$ 14 milhões, mas o prefeito afirma que, “quando muito”, a arrecadação tem atingido R$ 1 milhão por mês.

Tudo isso faz parte do passado, pois o aumento da presença das colhedoras nas lavouras praticamente expulsou os boias-frias dos canaviais.

A mecanização ocorreu devido a pressões de ONGs, que afirmavam existir excesso de esforço físico dos trabalhadores rurais no campo, e para cumprir um protocolo que restringiu a queima da palha da cana.

“O gerente de campo das usinas dizia que, até 2017, ainda haveria cortador, mas depois, não. As pessoas não acreditavam, apesar de a cada ano ter menos migrantes no campo”, disse Natalino Lopes Moreira, 47, ex-boia-fria que hoje vive com dores na coluna e no braço direito, que o impedem de trabalhar.

A assinatura do protocolo, entre Estado, usinas e fornecedores de cana, completou dez anos. Usinas e fornecedores se comprometeram a antecipar o fim da queima nas lavouras de São Paulo para 2014, em áreas mecanizáveis, e para 2017, nas não mecanizáveis. Por lei, o fim da queima estava previsto para 2021 e 2031, respectivamente.

Natalino Lopes Moreira, 47, em sua casa na zona rural de Berilo (MG)

“Hoje a maioria está voltando sem nada. Aqueles que conseguiram trabalhar na época da oferta da mão de obra têm moradia, não têm mais casa de pau a pique, com telhado colonial. Foram-se os tempos das vacas gordas”, disse o prefeito.

Para Maria Aparecida Moraes Silva, professora visitante da pós-graduação em sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e pesquisadora há mais de 30 anos da dinâmica do campo, a trajetória dos migrantes e a atual vida que levam em suas cidades de origem pode ser resumida como a “história dos vencidos”.