Será Bruna a última ‘viúva da cana’?
MARCELO TOLEDO
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS A BERILO (MG)
Durante a safra de cana-de-açúcar, por décadas, as mulheres de cortadores de cana que deixavam suas famílias para trabalhar no interior de São Paulo foram chamadas de “viúvas da cana” ou de “viúvas de marido vivo”.
Com a safra tendo duração de até nove meses —normalmente, de março a dezembro—, elas ficavam em suas cidades de origem cuidando dos filhos e da casa enquanto os maridos viviam em alojamentos de cidades como Guariba e Pontal, na região de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), no período do corte da cana.
A mecanização das lavouras canavieiras praticamente dizimou a migração para o interior paulista, e cenas rotineiras do passado, como comboios de ônibus e vans chegando às cidades com forte produção, inexistem atualmente. Com isso, boias-frias passaram a migrar de vez com as famílias para outros Estados, se fixaram em suas cidades de origem ou ainda migram isoladamente, mas para colheitas de menor duração —café, laranja, tomate e cebola são algumas delas.
Mas ainda há quem tente a migração espontânea, de forma isolada. Foi o que fez Jonas, namorado de Bruna (os nomes são fictícios, a pedido dos dois), que deixou a pequena Berilo, incrustada na paupérrima região do Vale do Jequitinhonha (MG), para tentar a sorte em “Ribeirão Preto”.
Por “Ribeirão Preto”, entenda-se toda uma vasta região com quase cem cidades, todas com predominância de lavouras de cana. No caso, a “Ribeirão” de Jonas é Serrana, município distante 20 quilômetros.
A Folha encontrou Bruna, 19, num restaurante da cidade, de 12 mil habitantes, onde trabalha como atendente. Usando uma aliança prata de compromisso na mão direita, disse ter planos de se casar com o namorado, que na véspera tinha partido para “Ribeirão Preto”, com a expectativa de conseguir um emprego e só retornar em dezembro, após o fim do corte de cana.
“Tem de ir tentar a vida, aqui não há o que fazer”, disse ela. O estabelecimento, naquela noite de terça-feira em que falou com a reportagem, tinha 13 clientes, todos homens, que antes das 20h já tinham deixado o local.
Jonas tem familiares morando em Serrana, o que evitou inicialmente gastos com moradia até que consiga um emprego, o que não ocorreu até a publicação deste texto.
“Mas vai dar certo, tem de dar certo”, disse Bruna, que não se incomoda com o termo “viúvas da cana”. “Já acostumamos a ouvir isso.”
Natalino Lopes Moreira, 47, fez essa jornada distante da família por quatro safras seguidas —as suas últimas em canaviais paulistas. No total, trabalhou 34 safras, mas sempre voltava algumas vezes durante o ano.
“Fiquei o tempo todo sem vir no meio da safra ver a família para economizar”, disse ele.
SEM RUMO
Prefeito de Berilo, Lázaro Pereira Neves (PP) disse que as principais fontes de renda da população local são o serviço público e o programa Bolsa Família, o que faz com que a migração —para qualquer lugar— seja impulsionada na cidade.
“O município sobrevive de migração e de programas sociais. Tínhamos migração de 3.500, 4.000 trabalhadores para o interior de São Paulo, mas foi fechando esse mercado e o pessoal começou a ir para Goiás e Rio, mas hoje não tem oferta nenhuma de mão de obra.”
Segundo ele, os atuais migrantes buscam também a construção civil, além dos canaviais. “A nossa mão de obra não escolhe o que fazer, é o que for ofertado. Mas chegou num ponto em que não está tendo essa oferta. E as nossas políticas públicas não acompanham o estrago que aconteceu”, disse.
A população local hoje é estimada pela prefeitura em 12.300 habitantes, 1.000 a menos que há sete anos. A culpa pela redução? Justamente a falta de oportunidades, segundo ele.
“Os canaviais para nós foram o desenvolvimento, não para Berilo, mas para o Vale [do Jequitinhonha]. A maioria das casas boas, 70%, foram [construídas] com recursos dos canaviais. Trabalharam lá [no interior paulista], mas investiram aqui. Hoje a maioria está voltando sem nada.”