As mulheres que lutaram contra a invasão holandesa, na batalha revivida em Pernambuco

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KLEBER NUNES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Água fervente e pimenta foram os ingredientes da primeira participação feminina em um conflito armado no Brasil. A receita das mulheres de Goiana, zona da mata norte de Pernambuco, evitou a invasão holandesa à região em 1646.

No dia 24 de abril daquele ano, os militares europeus aproveitaram a ida dos homens de Tejucupapo ao Recife, onde os locais comercializavam caranguejos e moluscos, para invadir o distrito e saquear alimentos. Diante da ameaça estrangeira, conta a tradição oral, Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina lideraram a reação feminina no front em defesa do vilarejo.

 

Registros históricos afirmam que foram 600 invasores contra cem homens mais um número desconhecido de mulheres, outros dizem que o contingente foi de cerca de 300 holandeses e índios aliados. Todos concordam, porém, que com a ajuda das mulheres a vitória foi de Tejucupapo. O embate deixou centenas de mortos e feridos.

 

A história de resistência daquelas mulheres tocou a dona de casa Luzia Maria da Silva, 71, em 1984. Na época, ela estava em tratamento para a retirada de um câncer de mama. No leito, ouviu de uma professora a narrativa da batalha que mudaria sua vida nove anos depois.

Moradores de Goiana, zona da mata de Pernambuco, reencenam batalha contra os holandeses – Créditos: Divulgação

“Em 1993, fui internada em estado grave para a colocação de um marcapasso. Prometi que se saísse com vida contaria a história de Tejucupapo, onde eu nasci e criei meus sete filhos, para toda a cidade”, afirma Luzia Maria.

 

Com a saúde restabelecida, no Dia das Crianças daquele mesmo ano dona Luzia montou pela primeira vez a peça “As Heroínas de Tejucupapo”. Cumpriu a promessa.

 

A encenação de 30 minutos contou com a participação de 320 pessoas da própria cidade que ajudaram a fazer o figurino e o cenário.

 

Sem nunca ter pisado em um teatro e com apenas o ensino fundamental 1 completo, a dona Luzia diz que escreveu a peça com a ajuda de um livro chamado “Amor Nordeste”. Os textos escritos à mão foram interpretados em abril de 1994, na fazenda Megaó, na mesma data e local do conflito.

 

“Em 1995 e 1996 o prefeito da época [Osvaldo Rabelo Filho, do PMDB] proibiu a peça porque eu não votei nele. Sem o apoio para o cenário e o som não fizemos a encenação”, afirma. Em 1997, depois de ser homenageada pelo Assembleia Legislativa de Pernambuco, dona Luzia recebeu do gestor o pedido e o apoio para continuar com o espetáculo.

 

Em 2000, o cineasta Marcílio Brandão e o produtor cultural Amaro Filho doaram novos figurinos comprados com parte de um prêmio de cinema que venceram com o roteiro de “Tejucupapo, um Filme sobre Mulheres Guerreiras”.

 

As roupas foram usadas até 2014, último ano de apresentação da peça. A falta de apoio público provocou mais um hiato de dois anos nas encenações.

Mulheres usam roupas típicas da época para relembrar o episódio

“Este ano retomamos a peça, mesmo com a crise que vivemos as pessoas de Tejucupapo se disponibilizaram a ajudar, inclusive a prefeitura”, diz.
Donas de casa, agricultores, pescadores e estudantes encenaram no último domingo (30), pela 24ª vez, o conflito que marca o início da Insurreição Pernambucana. “O apoio do governo é importante, mas vimos que [os moradores] juntos podemos fazer a peça. Não vamos mais parar”, afirma dona Luzia.