Sem vidros e com teto sob risco de ruir, estação no interior de SP reflete abandono ferroviário
POR MARCELO TOLEDO, EM RESTINGA (SP)
Do passado glorioso, só restam a carcaça do prédio e a placa que indicava “trens para cima” e “trens para baixo”. Não existem trilhos desde os anos 80, o teto corre risco de cair e não há vidros nas janelas ou guichês.
A estação ferroviária Boa Sorte, em Restinga (a 389 km de São Paulo), que um dia transportou passageiros e o “ouro verde”, como o café era chamado especialmente até a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, é um dos exemplos do abandono que atingiu as estações no interior de São Paulo.
Antigo trecho da Linha do Rio Grande, que ligava Ribeirão Preto a Sacramento (MG), a Boa Sorte, inaugurada em 1887, hoje está fechada e, em vez de ser usada para escoar o café, virou abrigo de insumos agrícolas em uma parte e igreja evangélica, em outra.
Outro imóvel vizinho, que também pertencia à extinta Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, está abandonado.
A situação da estação, no entanto, está longe de ser uma exceção. Reportagem da Folha mostrou que antigas estações, quando ainda existem, estão desabando, abandonadas ou sem uso.
A Boa Sorte fica em uma vila hoje composta por 13 imóveis, e que se notabilizou nas últimas décadas mais por ter sido invadida por sem-terra do que por ter abrigado uma estação importante na rota entre Ribeirão Preto e Franca, que passava também por Jardinópolis, Brodowski e Batatais.
Em 1998, a fazenda foi ocupada e teve o nome alterado para Assentamento 17 de Abril, em alusão aos 19 sem-terra mortos dois anos antes em Eldorado dos Carajás (PA). Hoje, o local é um assentamento legalmente constituído. Além da igreja evangélica em parte da antiga estação, há uma outra nas proximidades, católica.
“A Boa Sorte tinha uma vilazinha muito bonita, merecia ser mais bem preservada, assim como todas as estações ferroviárias. Mas infelizmente não é o que acontece, longe disso”, afirmou o pesquisador Ralph Giesbrecht.
A Linha do Rio Grande tinha outras 18 estações, das quais sete estão abandonadas, duas estão fechadas e uma foi demolida. Há até o caso de uma, em Rifaina, que está submersa –a cidade antiga foi alagada para o surgimento da represa da hidrelétrica de Jaguara e, em outro local, uma nova estação foi construída. Oito das estações estão tendo algum tipo de uso, mas apenas quatro estão mais preservadas –viraram museu, casas de cultura e biblioteca.
A Mogiana teve papel importante na interiorização das ferrovias em São Paulo, numa história que teve início em 21 de março de 1872, quando, por meio da lei provincial nº 18, obteve concessão do trecho de Campinas a Mogi Mirim –daí o nome.
São Paulo tem 41 bens ferroviários tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). Não é o caso da Boa Sorte.