Álcool mais caro que gasolina e ‘carros-bomba’: a rotina de motoristas entre Roraima e Venezuela

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POR MARCELO TOLEDO, EM BOA VISTA (RR)

É comum, no dia a dia, motoristas chegarem aos postos de combustíveis pelo país e conferirem o preço da gasolina e do etanol antes de abastecerem seus veículos, para saberem qual compensa mais. Se custar até 70% do valor da gasolina, o etanol é mais vantajoso para o bolso do consumidor.

Em Roraima, não é preciso fazer nenhuma conta. Por dois motivos: a maioria dos postos não vende o combustível derivado da cana-de-açúcar e, quando comercializa, ele chega a custar até mais que o litro da gasolina.

Roraima tem vivido uma onda migratória de venezuelanos em busca de comida e trabalho. Já são 30 mil, segundo o Estado, os venezuelanos que nos últimos seis meses deixaram seu país com a crise de abastecimento e cruzaram a fronteira com o Brasil.

Na capital, Boa Vista, um dos postos vende o litro do etanol a R$ 3,85, ante os R$ 3,82 cobrados do litro da gasolina. Para valer a pena, o álcool deveria custar, no máximo, R$ 2,674.

Em Boa Vista, etanol chega a custar mais que a gasolina em postos de combustíveis - Foto: Marcelo Toledo/Folhapress
Em Boa Vista, etanol chega a custar mais que a gasolina em postos de combustíveis – Foto: Marcelo Toledo/Folhapress

 

“Às vezes, aparece alguém querendo etanol, mas é difícil. Já cheguei a ficar mais de uma semana inteira sem abastecer nenhum carro com o combustível. Quando surge, é algum desavisado, normalmente com carro alugado”, disse o frentista Fausto Santos.

Em outros postos, nem há placas com o preço do etanol, pois os estabelecimentos desistiram da comercialização.

“É difícil encontrar etanol por aqui. Quando inaugurou o posto, há dois anos, chegou a ter, mas acho que acabou aquele tanque e nunca mais veio”, disse o também frentista João Carlos Lima.

De acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o preço médio da gasolina em nove postos da capital é de R$ 3,84, enquanto o etanol, pesquisado em três postos –pois nem todos têm o combustível–, teve como custo médio R$ 3,62.

Com isso, de janeiro a outubro, Roraima consumiu só 1,2 milhão de litros de etanol, ante 106 milhões de litros de gasolina.

‘CARROS-BOMBA’

Há, também, um outro agravante: a capital está a 230 km de Santa Elena de Uairén, primeira cidade da Venezuela após a fronteira com o Brasil e onde é possível abastecer o tanque com gasolina a um preço que não chega a R$ 2 o litro –valor praticado para brasileiros, já que os venezuelanos pagam muito menos, algo como 20% desse preço.

O local tem filas diárias, que chegam a travar a fronteira entre os países.

No trecho rodoviário entre as cidades, percorrido pela Folha, não há sequer um posto de combustíveis. Nem mesmo em Pacaraima, cidade brasileira que fica na fronteira, é possível abastecer.

Essa possibilidade de encher o tanque de combustível oriundo da Venezuela também fomenta o que é chamado em Roraima de “carros-bomba”. Veículos transportando irregularmente gasolina do país vizinho tentam diariamente entrar no Brasil para revender a gasolina.

Gasolina apreendida em galões na fronteira do Brasil com a Venezuela - Divulgação
Gasolina apreendida em galões na fronteira do Brasil com a Venezuela – Divulgação

Abastecer na Venezuela não é crime, mas o contrabando do combustível, sim. No último dia 15, por exemplo, foram apreendidos na fronteira do Brasil com a Venezuela, em Pacaraima, galões com cerca de 5.000 litros de gasolina, distribuídos em três veículos.