Dirley das cobras, o caçador de peçonhentas do interior do Paraná
AIRTON DONIZETE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MARINGÁ (PR)
O comerciante Dirley Bortolanza, 52, de Mandaguari, cidade de 32 mil habitantes no noroeste do Paraná, se tornou uma celebridade. O motivo é inusitado: na casa dele há dezenas de serpentes acomodadas em caixas de madeira. Os reptéis chegam a ser colocados na mesa do café do manhã da família.
Ele captura cerca de 40 cobras por ano, a maioria cascavéis, espécie que, aliás, dá nome à cidade paranaense Cascavel, a 300 km dali, também com presença frequente do animal. Equipes de TV, jornalistas e curiosos o visitam com frequência em busca de informações sobre o hobby de coletar cobras.
Nascido em Mandaguari, Bortolanza começou a se interessar pelos répteis ainda menino. Ele capturava cobras pequenas, como jararaquinhas-dormideiras (sem peçonha), nos terrenos baldios da cidade, e as levava para casa.
Colocava-as em caixas de sapato e as deixava em exposição por alguns dias. As pessoas admiravam a coragem do menino. Adulto, ele percebeu que a prática tinha utilidade para a saúde pública na produção de soro contra possíveis picadas das cobras.
Em 1986, Bortolanza capturou a primeira cascavel numa caverna próxima à cidade e a enviou para a Secretaria da Saúde de Maringá. Daí em diante a captura de cobras se transformou em hobby. A secretaria lhe enviava caixinhas de madeiras, e ele as devolvia com as cobras.
Atualmente, ele não as captura no mato ou em cavernas, apenas quando é solicitado por moradores, que se deparam com os répteis no quintal de casa.
Até três anos atrás, o comerciante uma parte delas enviava ao Instituto Butantã de São Paulo, que custeava o transporte. Agora, entrega ao Ibama local, que faz a soltura do animal em matas da região –e assim evita que elas sejam mortas a pauladas pelos moradores.
‘MÃES’
Os pedidos de captura são muitos. Apenas em 2016, Bortolanza capturou 28 cascavéis, número que costuma aumentar com a chegada do verão.
Vez ou outra, ele se depara com corais, urutus, jararacuçu-do-brejo e cobras cipós, mas as cascavéis são abundantes na região.
As que estão prenhes precisam ser manejadas com cuidado para não perderem a cria. As cascavéis são ovovivíparas, e os ovos são chocados dentro da própria mãe, que pode armazenar espermatozoide do macho durante meses antes de fertilizar os óvulos.
Na casa de Bortolanza, há alguns meses, duas cascavéis deram à luz 26 e 18 filhotes. Os filhotes foram acomodados em caixas. Eles atingem a maturidade em cerca de dois anos. Como as adultas, elas se alimentam de ratos, que ele ganha de criadores de Maringá. Em média, cada serpente come um roedor a cada dois meses.
NO CAFÉ
Ele, no entanto, não é apenas um capturador de cobras. Diz que aprendeu a conviver com elas. Todos os dias, com Lucimar, a mulher, e o filho, Dirley toma café com as cascavéis sobre a mesa.
No começo, elas batem o guizo sem parar, mas vão se acalmando. O comerciante faz um gesto com as mãos como se fosse hipnotizá-las. “Elas me entendem”, diz. “É uma técnica que aprendi vendo filmes”.
A mulher, Lucimar, não vê com muita simpatia o hobby do marido. Ela diz que já se acostumou com os bichos, mas não gosta que ele as coloque na mesa da cozinha. “Sei lá, acho que o lugar delas não é aqui”, afirma. “Elas devem ficar dentro das caixinhas quietas”.
Dirley Filho elogia o pai. Para ele, Bortolanza, ao capturar cobras, salva-as, pois poderiam ser mortas por moradores. “Meu pai evita que sejam atacadas com paus e pedradas”.
Bortolanza afirma que nunca matou cobra. Às vezes, até salva alguma ferida por moradores. Uma cascavel, capturada, se recupera de um ferimento na cabeça. Segundo o comerciante, um morador de Mandaguari, assustado com a presença do bicho, tentou matá-la no quintal de casa. Não conseguiu e chamou-o. A serpente estava embaixo de um assoalho.
Para Bortolanza, há muito mito em torno das cobras. Lembra do quem imagina que elas voam, se enrolam no pescoço e enforcam a vítima, ou mesmo que mamam em mulher que está amamentando. “Tudo bobagem”, diz. “É um bicho pacato, que não ataca se não for provocado, pois seu objetivo é armazenar veneno para caçar e, em último caso, se defender”.
O hobby do pai motivou o filho, que se tornou biólogo e se prepara para cursar mestrado na área. Com 23 anos, Dirley Filho acredita que poderá desenvolver algum trabalho com os repteis.
Por enquanto, ele trabalha com química em uma empresa de Mandaguari, mas com o mestrado espera ajudar na preservação das espécies. “As cobras pelo menos em nossa região não estão em extinção, mas ninguém sabe como será no futuro”, diz o filho.