Os boinas azuis do Paraná e os 60 anos da missão de paz no Oriente Médio

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DIEGO ANTONELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CURITIBA

José Carlos Pereira da Silva estava na sala de recreação do Exército quando ouviu o locutor do rádio anunciar os ataques de Israel sobre o Egito. Aos 18 anos, Pereirinha, como é conhecido, não tinha muita noção sobre as razões do conflito bélico que se estendeu por quase uma década. Sabia, apenas, que envolvia a disputa pelo Canal de Suez. O ímpeto da juventude o levou a se apresentar ao seu superior colocando-se à disposição para ir até o Oriente Médio.

“Queria me sentir útil”, afirma Silva, hoje com 79 anos, chamado na época de Pereirinha. Era outubro de 1956 –há 60 anos– e o conflito se intensificava. Seu superior rechaçou qualquer possibilidade de o Brasil adentrar no conflito. Mero engano.

Ao todo, sete soldados brasileiros morreram. Seis em acidentes e um durante ataque entre árabes e israelenses. Os boinas azuis, como são conhecidos, venceram o Prêmio Nobel da Paz em 1988, ao lado das Forças de Paz da ONU. O Ministério da Defesa informa que o Brasil já participou de 53 missões de paz. Dessas, 11 ainda estão em curso.

Devido às tensões impostas pela Guerra Fria, que poderiam desencadear conflitos entre soviéticos e norte-americanos, a ONU (Organização das Nações Unidas) montou naquele 1956 a Primeira Força de Emergência das Nações Unidas. Forças de paz foram preparadas e enviadas à região em janeiro do ano seguinte.

Pereirinha, que era da Polícia do Exército no Rio de Janeiro, foi um dos 80 primeiros brasileiros a desembarcar no Oriente Médio com a missão de paz à região. Após três dias de viagem, ele chegou à região para compor o grupo envolvido em desarmar minas e bombas.

Os boinas azuis  escalados para missões de paz nos anos 50 - Arquivo Pessoal
Os boinas azuis escalados para missões de paz nos anos 50 – Arquivo Pessoal

 

O Brasil foi um dos dez países convidados a participar da missão, juntamente com Canadá, Noruega, Finlândia, Índia, Colômbia, Dinamarca, Indochina, Suécia e Iugoslávia. Ao longo de uma década, o Brasil enviou 20 contingentes de tropas, num total aproximado de 6,3 mil militares.

Um mês depois, a tropa de Pereirinha precisava garantir segurança para a chegada do primeiro navio brasileiro que transportava 850 homens. “Sobrevoamos a área e avistamos três submarinos e um míssil teleguiado perto de onde o navio ia passar”, relata. Por rádio, comunicaram as tropas do navio para evitar qualquer sobressalto.

Nos primeiros meses, os bombardeios não cessavam e faziam a terra tremer. “Numa das patrulhas de jipe ficamos entre as tropas de Israel e Egito. Tivemos que nos jogar em trincheiras. Até quem não acreditava muito pedia proteção a Deus”, conta ele, que hoje mora em Ponta Grossa (PR).

EGITO

Quase um ano depois, Jauri Conrado Rodrigues desembarcou na cidade egípcia de Port-Said após 40 dias dentro de um navio. Lá ele enfrentou temperaturas escaldantes e tempestades de areia. “Eu era cabo do Exército e me inscrevi voluntariamente”. Tinha 19 anos e servia ao Exército em Prudentópolis, no interior do Paraná. Ele é um dos cerca de 400 paranaenses que foram ao front.

Jauri chegou a cuidar da rede ferroviária que a ONU fazia transporte de insumos para as tropas. “Tinha que monitorar a hora certa para o trem zarpar. A tensão era grande. A qualquer momento poderia ter ataque”.

Jauri Conrado Rodrigues, um dos boinas azuis do Paraná - Crédito: Diego Antonelli
Jauri Conrado Rodrigues, um dos boinas azuis do Paraná – Crédito: Diego Antonelli

Ele viu uma população sedenta e faminta. Mesmo que a ONU cuidasse dos refugiados, os soldados brasileiros também cediam algumas pratadas de arroz a quem implorava. “As crianças pediam água. Não tinha como não ficar triste com aquela cena”, afirma Jauri.

Os rasantes de aviões israelenses sobre o Egito eram constantes. “Era uma provocação e a gente ficava nos postos de observação monitorando”, diz. A provocação durou até o dia em que a Guerra dos Seis Dias estourou em 1967 e pôs fim aos trabalhos de paz na região.

 

Entenda a guerra

O conflito teve início quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, apoiado pela União Soviética, nacionalizou o Canal de Suez em 1956. A ação contrariava as pretensões econômicas de várias nações ocidentais, entre elas os Estados Unidos. Como retaliação, França e Inglaterra formaram uma espécie de coalizão com Israel e atacaram o Egito.

O canal era o principal escoadouro de petróleo dos países árabes para a Europa e ainda era responsável por fazer a ligação marítima mais curta entre vários países da Ásia, da África e da Europa. O envio das tropas de paz, entretanto, permitiu que o canal ficasse aberto.

O ponto final do conflito aconteceu na chamada Guerra dos Seis Dias, deflagrada em 1967, quando Israel atacou Egito. As tropas brasileiras não conseguiram escapar antes do conflito e ficaram no meio do caminho. Durante dois dias tiveram que redobrar os cuidados para não serem atingidos. Mesmo assim, um cabo brasileiro foi vítima de um disparo e morreu.