De Mato Grosso para a África: Índios do Xingu em caçada com pigmeus do Congo
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A CANARANA (MT)
Com a internacionalização dos movimentos socioambientais, as lideranças indígenas brasileiras participam cada vez mais de congressos e outros eventos pelo mundo afora.
Os destinos mais comuns costumam ser a Europa e os Estados Unidos, mas o presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), Yakagi Kuikuro Mehinaku, 30, foi mais longe: no ano passado, ele conheceu uma comunidade pigmeu, no interior da República Democrática do Congo.
Os pigmeus somam cerca de meio milhão de habitantes espalhados pela África central, dos quais muitos vivem em florestas como caçadores-coletores. No Congo, eles têm alvo de grupos armados envolvidos no conflito civil.
Yakagi conta que, depois do encontro na capital, Kinshasa, sobre a situação das comunidades autóctones no país, ele e outros quatro xinguanos foram convidados a visitar uma aldeia remota, junto com indígenas da Indonésia e da Noruega. A tradução era feita entre dois intérpretes misturando francês (herança colonial no Congo), inglês e português.
Para chegar até lá, foi preciso pegar um pequeno avião, viajar um dia inteiro de carro e ainda percorrer outros 10 km a pé. “Andamos quase uma hora dentro do córrego.”
Depois de dois dias viajando, a recepção foi efusiva. “Muita gente nos recebendo, muita criança em volta da gente”, conta. “As crianças cumprimentavam: ‘Poti, poti’, tipo bom dia. Aqui na minha aldeia, o pessoal me chama Boti. Aí falei: ‘Pô, já sabem o meu nome!’”, lembra, rindo.
Apesar da recepção alegre, o líder xinguano ficou impressionado com a pobreza e com situação precária dos pigmeus. “Muita malária, mas só usam remédios medicinais. E lá não tem demarcação. Eles disseram que madeireiro está entrando muito na terra deles, tirando madeira boa.”
Um dos pontos altos da visita foi participar de uma caçada tradicional: “Eles armam muita armadilha na floresta, mas só caçamos um gambá que estava num buraco, foi fácil de pegar. Eles colocaram fogo de um lado e o bicho saiu do outro.”
Na volta ao Xingu, várias histórias na bagagem: “Na minha aldeia, eles ficaram me perguntando, eu disse que lá é lugar do preto, preto. O rio pra tomar banho é preto, o peixe é preto, o macaco é preto. Eu até fiz cocô preto… Eu não mudei no corpo, mas a comida muda. Todo mundo caiu na gargalhada. Foi bom!”