Nos 15 anos sem Jorge Amado, veja dez lugares de Salvador marcantes em sua obra
PAULA SPERB
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Jorge Amado, um dos escritores brasileiros mais lidos e estudados no mundo, nasceu em 10 de agosto de 1912 e faleceu em 6 de agosto de 2001.
No mês em que o escritor baiano faria 104 anos e nos 15 anos de sua morte, o Blog Brasil traz uma lista com dez locais de Salvador especiais para ele. A capital baiana foi onde o escritor passou maior parte de sua vida e também serviu de pano de fundo para diversas de suas obras.
Jorge Amado costumava dizer que não tinha um lugar preferido na cidade porque amava ela por inteiro. Tanto que escreveu, em 1944, uma espécie de guia turístico da cidade: “Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios”.
A obra foi uma forma de escape da censura imposta pelo Estado Novo (1937-1944) de Getúlio Vargas. A perseguição do governo chegou a resultar em fogueiras de livros. Em Salvador, em 17 de dezembro de 1937, foram incinerados 1.694 livros de Jorge Amado.
No livro, Jorge Amado apresenta Salvador como uma cidade cujo “mistério é como óleo que escorre do céu e do mar e vos envolve todo, corpo, alma e coração”. Sobre sua gente, o escritor define como “o povo mais doce do Brasil” e um “povo bom, amigo de cores berrantes, ruidoso e ao mesmo tempo com certa timidez, acolhedor e democrata”.
Veja alguns dos lugares descritos pelo autor mais amado do país:
1. Baixa dos Sapateiros
Rua conhecida pelo comércio, fica no centro histórico de Salvador e possui o nome oficial de avenida José Joaquim Seabra, ex-governador da Bahia. Atualizando a descrição de Amado, poderia se dizer que ali era um ponto de “classe média em decadência”. Nas palavras do escritor: “As frentes das lojas exibem uma variedade incrível de produtos. Fachadas de cores berrantes, vitrinas de pouco gosto, liquidações, queimas, preços de ocasião”.
É em um restaurante dessa rua que a família da personagem Joaquim Soares da Cunha, o Quincas, discute sobre seu funeral no livro “A morte e a morte de Quincas Berro D’Água”. É também na Baixa dos Sapateiros que Curió, um dos melhores amigos de Quina e o primeiro a saber de sua morte, trabalhava pintado de palhaço divulgando promoções de lojas.
2. Farol da Barra
Entre os bairros nobres de Vitória e Ondina, os turistas encontram o farol que foi instalado para evitar naufrágios como o ocorrido em 1668. O farol fica no Forte da Barra, o primeiro do Brasil, construído em 1536. “O forte é belo, entrando pelo mar, sentinela da barra nos tempos antigos”, descreve Amado no guia. “Numa ponta que fende o mar, levanta-se o farol majestoso, um forte antigo também trazido para a missão de paz de ensinar o caminho da barra aos transatlânticos e aos cargueiros”, diz o escritor. É a luz do Farol da Barra que guia Guma, personagem do livro “Mar Morto”, no seu arriscado trabalho de saveirista.
3. Rua Chile
A curta rua de 400 metros é considerara a primeira do país, fundada em 1549. Em pleno centro histórico, fica próxima de diversos pontos turísticos. No seu guia, Jorge Amado a definia como o “coração da cidade”. “Quereis encontrar alguém na Bahia e não possuís o seu endereço? Ide então à rua Chile à cinco horas da tarde e com certeza encontrareis a pessoa que procurais”, dizia Amado, na edição de 1955 da obra.
Diversas passagens do livro “Jubiabá” ocorrem na Rua Chile. É ali que o personagem Balduíno reencontra seu antigo amor, Lindinalva. Também na Rua Chile, Viriato, o Anão, pede esmolas diariamente “com as pernas encolhidas, todo curvo, a cabeça chata acachapada sobre o pescoço. Estendia sem uma palavra o chapéu aos que passavam. Parecia fazer parte da porta onde se sentava como uma escultura trágica, um monstro de igreja”.
4. Ladeira do Pelourinho
O personagem Miguel Archanjo, intelectual autoditada do livro “Tenda dos Milagres” é encontrado morto na Ladeira do Pelourinho, “lugar próprio e certo”. Archanjo escrevia tratados sobre as qualidades do povo mestiço, mistura de negro e branco, e por isso passou a ser estudado e seu aniversário comemorado na cidade.
A maior parte do enredo de “Tenda” se passa no Pelourinho. É ali também que o personagem Lídio Corró tem uma gráfica onde faz gravuras dos “milagres” de fiéis que prestam homenagens aos seus santos. No “guia”, Jorge Amado relembra o passado sangrento do lugar, que recebeu o nome de Pelourinho porque ali eram amarrados os escravos castigados. O “Pelô” também é cenário do livro “Suor”, inspirado na vivência do escritor enquanto morava em uma pensão do lugar. A Fundação Jorge Amado, que reúne o acervo do escritor, funciona em um casarão azul no Largo do Pelourinho.
5. Igreja de São Francisco
Com detalhes cobertos de ouro, a construção segue o estilo barroco. Para Jorge Amado, visitar essa igreja “de fama mundial” é “obrigação de visita para todo e qualquer turista”. Amado continua os elogios: “É uma das visões mais admiráveis que possui o Brasil. Sua fama é justa e não há como abrir a boca em ‘ohs!” de admiração ante a beleza desta igreja em cujo interior uma luz de ouro existe permanentemente lutando contra a triste luz das velas”. A construção foi iniciada em 1587 e foi inaugurada em 1713. A Dona Flor, personagem de “Dona Flor e seus dois maridos”, frequenta essa igreja. Flor chegou a levar uma “vela enfeitada de flores” para uma promessa feita lá.
6. Mercado Modelo
Para Jorge Amado, o Mercado Modelo “é um mundo”. De acordo com o autor, “sua população não se confunde com nenhuma outra, seus interesses são próprios, e aqui, árabes, portugueses, espanhóis, italianos que ali negociam são dominados inteiramente pelas crenças dos negros, sua religião, suas histórias e lendas, suas lutas e suas festas”.
Na edição de 1955, o escritor diz que “se procurardes bem encontrareis igualmente o vendedor de maconha que se esconde da polícia”. É no Mercado Modelo que o “ABC de Zumbi dos Palmares”, composto pela personagem de Antônio Balduíno, do livro “Jubiabá”, era vendido junto com outros ABCs –canções populares poesias, trovas e anedotas– a “200 réis”.
7. Elevador Lacerda
Como primeira capital do Brasil, Salvador foi palco de diversas inovações no país. O Elevador Lacerda, por exemplo, foi o primeiro elevador urbano do mundo, inaugurado em 1873. Na época, era também o mais alto. Além de cartão-postal da cidade, o elevador tem a função de unir a cidade-baixa à cidade-alta.
Uma das cenas mais memoráveis da obra de Jorge Amado, em “O Sumiço da Santa”, ocorre ali. Com ares de literatura fantástica, a estátua de Santa Bárbara, esculpida por Aleijadinho, ganha vida. Ela desembarca de um saveiro, onde era transportada, e sai caminhando –daí o seu “sumiço”. “Lá se foi Santa Bárbara, a do Trovão, subindo a rampa do mercado, andando para os lados do Elevador Lacerda. Levava certa pressa, pois a noite se aproximava”.
8. Cais
Sobre o “Cais do Mercado”, Jorge Amado destaca “sua rampa escorregadia, seu cheiro de mar e de peixe, seu colorido de frutas tropicais”. Para o autor, é “formosa a madrugada” no cais, “quando partem as velas, saveiros e canoas, batelões e barcaças, rumo ao oceano que ruge adiante no quebra-mar”.
O cais é o espaço onde transcorre o enredo de “Capitães de Areia”, um dos clássicos da literatura brasileira cuja personagem principal é Pedro Bala. É nesse cais que fica o trapiche que serve de casa para meninos abandonados que vivem nas ruas de Salvador: “Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem”, conta Jorge Amado.
9. Praça da Sé
É uma das vistas mais bonitas de Salvador, com ampla visão para a Bahia de Todos os Santos. A praça fica no final da Rua Chile. Nesta praça está a antiga arquidiocese. A catedral, que foi palco de sermões do padre Antônio Vieira, foi demolida em 1933, junto com outros prédios históricos.
No seu guia, Jorge Amado descreve a antiga construção como “enorme, de pedras colossais, negra, pesada, talvez até feia. Sem dúvida era o monumento histórico mais importante da cidade”. Na Praça da Sé ficava o bar Bizzaria, citado em “Tenda dos Milagres”. Era ali também que se situava a livraria do italiano Bonfanti, que editou e publicou um dos livros da personagem Archanjo, a obra fictícia “A culinária baiana — Origens e preceitos”.
10. Casa do Rio Vermelho
Na edição de 1955 de “Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios”, usada como uma das fontes de pesquisa para essa lista, Jorge Amado não inclui um lugar essencial para visitação: a sua própria casa. A “Casa do Rio Vermelho”, chamada assim por causa da sua localização no bairro de mesmo nome, é atualmente um museu aberto ao público.
A casa fica na Rua Alagoinhas, número 33, e no seu jardim foram jogadas a cinzas de Jorge Amado e de sua mulher, a também escritora Zélia Gattai. No seu livro de memórias, “Navegação de Cabotagem”, Jorge Amado conta que comprou sua casa com o dinheiro que recebeu pela venda dos direitos de “Gabriela, Cravo e Canela”, para a MGM adaptar a obra ao cinema. Em seus livros, Zélia conta diversas passagens que envolvem a casa, como em “Memorial do Amor”. Sobre a casa, “muito já se disse, muito se cantou. Citada em prosa e verso, sobra-me, no entanto, ainda o que dela falar”, instiga a escritora.