A vida no Xingu e a ameaça à natureza pela lente dos índios kawaiweté, de Mato Grosso
FERNANDA ATHAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CAMPO GRANDE
A calma e a beleza nas prainhas à beira do rio Xingu talvez sejam a razão do bom humor dos habitantes da aldeia Samaúma, no Parque Xingu, ao norte de Mato Grosso.
Vem do mesmo curso d’água a principal fonte de alimentação dos kawaiweté, o peixe. Em um dos pratos típicos, ele é assado com uma fina camada de farinha de mandioca enrolados em folha de bananeira. Este ano, assim como no ano anterior, choveu pouco e algumas lagoas secaram.
É justamente pela importância do rio Xingu que para ele se voltam os olhares –e as câmeras– dos nativos para alertar sobre o risco do desmatamento e o avanço da agropecuária no entorno do território indígena.
No começo deste mês, 11 jovens (homens e mulheres) da etnia participaram de uma oficina de audiovisual com o objetivo de retratar, a partir do cotidiano da aldeia, os efeitos das mudanças climáticas e de agrotóxicos e pesticidas no ciclo do rio.
O resultado será convertido em um curta-metragem de cinco minutos e em uma versão mais longa do documentário será feita com o objetivo de ser exibida em mostras de cinema, escolas, eventos ambientais e na internet.
“O vídeo tem muito a coisa do espelho, de refletir quem somos e onde estamos, sem mistificações e estereótipos. Filmar é um desafio? É. Mas eles são guerreiros, criativos, competentes e gostam de desafios”, afirma a cineasta Mari Correa, responsável pelo projeto.
OLHAR NATIVO
Foi em setembro de 2015 que Mani Kayabi, 23, líder do movimento indígena jovem de sua aldeia, aproximou-se de Mari Correa com um pedido. Ele e outros dez jovens da etnia kawaiweté queriam aprender a manusear câmeras de vídeo para registrar sua cultura e produzir documentários sobre seu povo.
À época, Mari estava na aldeia deles, a Samaúma, filmando o documentário ambiental “Para onde foram as andorinhas?”, que foi exibido na COP 21 (Conferência Mundial do Clima), Eu em dezembro do mesmo ano, em Paris, França. Há mais de 20 anos, ela trabalha com formações audiovisuais para pequenos grupos em comunidades indígenas.
Dessa vez, havia algo inédito: o grupo interessado era misto, com cinco mulheres. “A maioria, senão a totalidade, ocorre para grupos só de homens ou só de mulheres, sendo que o protagonismo delas ainda é menor”, diz Mari, que coordena o Instituto Catitu, voltado a capacitar principalmente mulheres indígenas.
A OFICINA
De volta a São Paulo, o projeto começou a ser formulado, para captar recursos, incluindo a compra de uma filmadora e microfones que ficaram com os índios. O projeto foi custeado pela embaixada da Noruega, que tem incentivos destinados à causa indígena no Brasil.
O encontro dos kawaiweté com Mari e Luís Villaça, diretor de fotografia e oficineiro convidado, foi animado, com a ajuda de tradutores, já que alguns só falavam a língua nativa, derivada do tupi.
A barreira na fala, no entanto, não trouxe dificuldades ao domínio da tecnologia. “São jovens bastante focados,
que aprendem rápido, têm intimidade com tecnologia e um comprometimento enorme”, disse Villaça. “O fato de a ideia da oficina ter partido deles tornou nosso acesso muito mais fácil do que poderia ser se a proposta tivesse partido da gente”.
MUDANÇA CLIMÁTICA
O tema escolhido é o assunto mais preocupante e recorrente na reserva: a interferência das mudanças do clima. O calor, cada vez mais forte, castiga o solo da floresta e os reflexos interferem no cultivo agrícola das comunidades e no comportamento dos animais do local.
Para os kawaiweté, as plantações de soja e milho ao redor do parque trouxeram desequilíbrio para dentro da reserva, como insetos que antes não existiam ali e que agora são populações fora de controle que atacam árvores frutíferas.
O Xingu se tornou um oásis ameaçado em meio a um deserto de terras desmatadas. Dados do Instituto Socioambiental mostram que, ao longo dos últimos 30 anos, 42% das florestas no entorno do parque foram desmatadas para servirem à agricultura e à pecuária.
Quando se fala na conservação dos rios –recurso vital para os 6.500 indígenas dos 16 diferentes povos que habitam a reserva do Xingu–, o desmatamento das matas ciliares das nascentes do rio Xingu preocupam. Hoje, a área desmatada equivale a 230 mil campos de futebol.
Para a edição do vídeo, alguns membros da aldeia irão a São Paulo. Em setembro, o grupo deve submetê-lo ao edital Film4 Climate, promovido pela ONU em parceria com o Banco Mundial.