Museu em antiga vila guarda cofre, remédios e memórias canavieiras do início do século 20
POR MARCELO TOLEDO, EM IGARAPAVA (SP)
Uma porta de madeira esconde uma preciosidade e a dimensão do poderio econômico de uma das famílias mais ricas do país na primeira metade do século passado. Ao abri-la, uma nova porta, esta composta por pesadas grades, permite ver seu conteúdo e viajar no tempo: gavetas e mais gavetas para guardar dinheiro.
Era assim que a família do coronel Quito Junqueira, um dos maiores fazendeiros do país no século 20, guardava parte de sua fortuna oriunda da Usina Junqueira, em Igarapava (a 446 km de São Paulo).
Hoje, o cofre se soma a outras preciosidades armazenadas e catalogadas num prédio que reproduz uma antiga estação ferroviária e que foi transformado em museu na antiga vila de funcionários da usina. O local atualmente sofre com imóveis sob risco de demolição e expõe o declínio dos empregos no setor sucroenergético no interior paulista, maior produtor de açúcar e etanol no país.
O poder econômico era tão grande que as terras da fazenda em Igarapava que abasteciam a usina eram dotadas de 70 quilômetros de trilhos internos, para que a maria-fumaça recolhesse a cana e a levasse para moagem na área industrial.
Junqueira comprou um antigo engenho em 1910 e, dois anos depois, já produzia açúcar e etanol. Morreu em 1928, mas sua mulher, Theolina, a dona Sinhá Junqueira, seguiu à frente dos negócios. A partir de 1940, ela abriu a vila para os empregados, uma autêntica cidade, com 273 casas e outros 29 imóveis, como restaurante, escola, farmácia, mercado e igrejas.
Parte desse legado histórico do setor sucroenergético está guardada no museu, como placas de identificação de locomotivas, prescrições médicas, comprimidos originais indicados a funcionários, sofás usados pela família, cristaleiras e até uma cadeira de barbear para atendimento do coronel. Em uma praça da vila, uma maria-fumaça é permanentemente exposta.
CARIDADE
Uma galeria de fotos em uma prateleira do museu exibe em uma das imagens Sinhá Junqueira assinando um documento tendo ao seu lado Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, o Chatô. Ela contribuiu financeiramente para a compra de obras de arte para o Masp (Museu de Arte de São Paulo), fundado por Chatô em 1947.
Mas é na caridade que ela se destacou. Além da fundação em Igarapava, Sinhá Junqueira deixou outras duas fundações: uma maternidade e um educandário, ambos em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), onde também funciona a biblioteca Altino Arantes.
O ex-governador Altino Arantes atuou como consultor de Sinhá Junqueira e tem, no museu em Igarapava, uma sala que preserva móveis e objetos utilizados por ele.
Do período áureo dos Junqueira, é o prédio mais bem conservado dos construídos na vila. A usina foi arrendada em 2002 e o contrato é válido até 2021, mas pode ser renovado automaticamente.
O valor obtido com o arrendamento da planta industrial e dos 15 mil hectares de lavouras de cana, o equivalente a 21 mil campos de futebol padrão Fifa (105 m x 68 m), é revertido à Fundação Sinhá Junqueira. O casal Junqueira não teve filhos.
A entidade, segundo seu superintendente, Valdir Crivelaro, investe mais de R$ 3 milhões anuais em benemerência em três cidades da região, além de Igarapava. Mas é criticada pela administração municipal e por grupos de moradores, que afirmam que o investimento feito é muito inferior ao faturamento do grupo com o arrendamento e que a fundação quer a demolição da antiga vila operária. O superintendente nega.