Menina que resistiu a estupro no século passado, ‘heroína da castidade’ pode virar santa no Ceará

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JOSÉ MARQUES, DE SANTANA DO CARIRI (CE)

Benigna Cardoso da Silva tinha 13 anos quando foi assassinada em Santana do Cariri (CE) ao resistir a um estupro. O crime aconteceu em 1941 e chocou a cidade. Desde então, os moradores passaram a considerar a menina como mártir e a fazer pedidos e promessas em seu nome.

Hoje, Benigna tem o título de “Serva de Deus” pelo Vaticano e seu processo de beatificação é intermediado pela Diocese do Crato, cidade vizinha.

O agressor tinha 16 anos e havia pedido a menina em namoro mais de uma vez. Um dia, quando Benigna voltava para casa com uma cacimba de água, ele a abordou, tentou violentá-la e a matou a golpes de facão.

Romaria para a menina Benigna, que pode ser beatificada, em Santana do Cariri (CE) - Foto: Ypsilon Félix/Divulgação
Romaria para a menina Benigna, que pode ser beatificada, em Santana do Cariri (CE) – Foto: Ypsilon Félix/Divulgação

Como não chegou a ter relação sexual, prevaleceu na cidade a interpretação de que ela morreu para não perder a virgindade. A garota era conhecida por ser muito religiosa.

Em campanha para que ela se torne santa, a igreja local a classifica como “heroína da castidade”.

“Ela sofreu uma violência, mas no contexto religioso a interpretação do pecado vem em primeiro lugar”, afirma o padre Paulo Lemos Pereira, responsável pela paróquia do município. O chanceler da cúria diocesana do Crato, Armando Rafael, também defende essa versão: “Foi para defender sua pureza que ela preferiu morrer”.

Como a diocese entende que Benigna morreu como mártir, o processo de beatificação é facilitado, porque dispensa a comprovação de um milagre.

ROMARIAS

Cidade de 19 mil habitantes na divisa de Pernambuco, Santana do Cariri tem se beneficiado com a causa. O local onde nasceu e morreu a candidata a primeira beata do Ceará virou destino de romeiros.

Devota de Benigna, a prefeita Danieli Abreu (PSL) até doou uma estátua da menina para ser colocada na entrada do município.

A região já é conhecida por atrair fiéis do padre Cícero Romão Batista (1844-1934), outro santo “extraoficial” –que não é reconhecido pela Igreja Católica com o título.

O padre Cícero nasceu no Crato e foi radicado na cidade vizinha de Juazeiro do Norte. Chegou a ser afastado da igreja em 1889, após ficar famoso por ter feito um suposto milagre, e só foi perdoado no ano passado.

Em Santana do Cariri, as romarias organizadas em devoção a Benigna começaram há 16 anos e acontecem em outubro, mês em que a menina morreu. Ano passado, segundo os organizadores, a celebração religiosa atraiu 20.000 pessoas.

“Desde que nasci ouço falar de Benigna. Minha mãe sempre rezou muito por ela e é devota. Ano passado, quando teve um C.A. [câncer] de mama, fez promessas para Benigna e hoje ela já está bem de saúde”, diz Ypsilon Félix, 22, um dos organizadores do evento.

Segundo o padre Lemos, Benigna “já é santa na consciência do povo de Santana”. Na beira da estrada em que ela morreu, foi construído um santuário de calcário onde as pessoas que dizem ter alcançado graças põem ex-votos –amuletos que representam a parte do corpo curada.

Em 2013, o corpo de Benigna foi exumado e foram feitos exames, inclusive para saber se ela continuou virgem. O resultado foi positivo, de acordo com Lemos.

O chanceler Armando Rafael diz que o processo continua a correr em Roma, com novos pedidos de documentos, que são entregues à Santa Sé pelo bispo do Crato dom Fernando Panico.

A campanha no Ceará por Benigna ocorre num momento em que se fala da “cultura do estupro” no país, após o estupro coletivo cometido por 33 homens contra uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro e depois de vários casos registrados no Piauí.