Sete meses após pior tragédia ambiental do país, expedição avalia mortandade de peixes no rio Doce

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POR MARCELO TOLEDO, DE PIRASSUNUNGA

Uma expedição comandada por especialistas de um órgão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), em Pirassununga (a 211 km de São Paulo), fará novo diagnóstico da mortandade de peixes no rio Doce neste mês para auxiliar a dimensionar o tamanho do impacto ambiental de Mariana (MG).

Vítimas da maior tragédia ambiental do país (classificação usada pelo próprio governo federal), algumas espécies de peixes do rio Doce já foram resgatadas por uma expedição do Cepta (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais), mas quantidade é insuficiente para pesquisa, como mostrou reportagem desta Folha.

O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, matou 19 pessoas em 5 de novembro de 2015. A lama de rejeitos de minério que saiu do reservatório estourado arrasou comunidades e poluiu rios ao longo de dois Estados –Minas Gerais e Espírito Santo–, chegando até o oceano Atlântico.

O Cepta desenvolve estudos e ações para conservação da biodiversidade e preservação de espécies ameaçadas de extinção, além de monitoramentos ambientais. Participa do grupo ainda um pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A primeira pesquisa do Cepta, aliás, foi feita dias após a tragédia e constatou a mortandade de ao menos 21 espécies de peixes, a maioria não nativa. A bacia tem cerca de 70 espécies nativas e 30 introduzidas, de acordo com o biólogo Wellington Adriano Moreira Peres, analista ambiental do órgão que participou da primeira expedição. Das 70, nove sofrem ameaça de extinção.

Agora, o grupo quer iniciar trabalhos de reprodução ou mesmo para a criação completa de um banco genético dos peixes ameaçados no rio Doce.

Segundo Peres, a mortandade atingiu mais os peixes introduzidos, já que são maiores. “Mas houve morte de crustáceos e impactos como a redução da transparência da água. A falta da fotossíntese local alterará toda a cadeia alimentar, inclusive mamíferos que dependiam dessa água”, disse.

Apesar da mortandade constatada na primeira missão, não é possível falar em extinção local de alguma espécie, conforme o analista. Entre as espécies com morte registrada estão tilápia, cascudo, pacu, tucunaré, dourado, traíra e peixe-cachorro.

BARRIGA DE ALUGUEL

O Cepta, que deve coordenar um plano de ação para os próximos cinco anos no rio Doce, já desenvolve um estudo que permite a procriação de peixes com a técnica de barriga de aluguel, que ajuda a preservar espécies ameaçadas de extinção.

No futuro, a técnica pode contribuir para a reprodução de peixes do rio Doce, caso fique constatada a extinção de alguma espécie devido à tragédia.

Coordenador do Cepta, o biólogo José Augusto Senhorini disse, porém, que a fase seguinte após nova coleta é congelar células embrionárias para criar um banco genético das espécies ameaçadas, mas isso dependerá de financiamento.

ESPÉCIE ‘SEM FAMÍLIA’

Já imaginou uma espécie que nunca irá conhecer seus pais? Ela existe e recebe o nome de rivulídeos. São peixes minúsculos, que, além de órfãos, estão ameaçados de extinção.

Normalmente entre 6 e 10 cm, essas espécies totalizam 262 catalogadas, das quais 125 podem desaparecer, segundo o Cepta.

Os rivulídeos vivem em ambientes aquáticos muito rasos, por vezes isolados de rios e lagos, e sazonais. Podem se reproduzir de uma forma que foge do padrão habitual: o local seca após a temporada de chuvas e os exemplares que ali vivem morrem, mas os ovos ficam depositados.

Quando chove novamente, ainda que seja um ano depois, os ovos eclodem e novos peixes surgem.