Governo do PT tenta se fortalecer apelando para ‘tese do medo’, afirma Luciana Genro
PAULA SPERB, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Mesmo contrária ao impeachment, Luciana Genro, uma das principais lideranças do PSOL, afirma que o governo Dilma busca se fortalecer tentando convencer a população de que há uma situação de golpe ou de ameaça à democracia por conta das investigações da Lava Jato.
“Os líderes do PT estão tentando convencer –e alguns setores foram convencidos –de que há uma ameaça à democracia, ao estado democrático de direito. Quando na realidade não é isso”, afirma a ex-petista, quarta colocada na disputa pela Presidência no ano passado, com 1,6 milhão de votos –1,55% do total.
“Não estamos em uma situação de golpe, onde haja o risco de assumir um governo que vai restringir as liberdades individuais, que vá censurar, que vá prender, que vá torturar. Há uma tentativa do governo se fortalecer apelando para esse espírito democrático das pessoas e esse medo”, diz.
Defensora de novas eleições, ela diz que o PSOL e “a direita de Jair Bolsonaro” (deputado federal e presidenciável pelo PSC) vão se beneficiar com a crise e disputar os votos da classe média.
Leia os principais trechos da entrevista:
FOLHA – A sra. aparece com 3% da intenção de votos no último Datafolha…
LUCIANA GENRO – A pesquisa mostra uma insatisfação muito grande com o governo e que o PSDB, por mais que tente, não está, felizmente, conseguindo capitalizar toda essa insatisfação. Nomes como o da Marina [Silva], em maior medida, e o meu, em menor medida, acabam recebendo uma parte importante da insatisfação…
Acredito que há um espaço importante para a construção de uma terceira via, que burla essa polarização entre PSDB e PT.
A sra. será candidata em 2018?
Ainda não podemos falar de 2018 porque não é possível saber o que vai acontecer no Brasil até lá. Se vamos ter eleições em 2018 ou se vamos ter eleições agora. O impasse político que está colocado é muito profundo e só vai se resolver positivamente se tivermos novas eleições, tanto para presidente, como para o Congresso.
A saída que está se desenhando é o impeachment da Dilma com a ascensão do Temer. É uma saída totalmente reacionária porque derruba um governo que está, de fato, sem legitimidade, mas coloca no poder um vice-presidente que não só não tem legitimidade nenhuma como tem um projeto político e econômico ainda mais reacionário do que este que está em curso.
Essa necessidade de devolver a soberania para o povo me parece muito evidente no impasse político que a gente vive. Não falaria de 2018, mas as eleições municipais, sim, têm de alguma maneira expressar esse descontentamento popular e essa luta pela construção de uma terceira via.
Como seria o processo de uma nova eleição?
Há várias possibilidades: como um referendo revogatório, que é uma proposta que já existe no Congresso, nos projetos do [ex-senador Eduardo] Suplicy (PT) e do senador Randolfe Rodrigues (Rede), que decidiria a continuidade do governo ou novas eleições.
Ou a própria Dilma, com o poder que ainda lhe resta –em vez de usar esse poder para abafar a Lava Jato com a ajuda do PMDB e do PSDB–, pode enviar ao Congresso uma emenda constitucional antecipando as eleições. Mas não só para a Presidência, para o Congresso também. O Cunha, ao meu ver, deveria estar preso.
Há indícios contra Dilma para um impeachment?
O PSOL não vai votar a favor do impeachment porque é uma manobra da direita para levar o Temer ao poder e garantir que esses ajustes contra o povo, e em favor dos interesses do mercado financeiro, sejam efetivados com mais força.
Mas também não fazemos eco ao “fica, Dilma!”, simplesmente. Para nós, a Dilma ganhou as eleições defendendo outra política econômica e não está honrando os votos que ela recebeu. A maior expressão disso é o descontentamento popular, que as próprias pesquisas demonstram.
A melhor saída seria nem Dilma, nem Temer, nem Cunha, nem Renan. Todos esses estão comprometidos e não servem para conduzir o país e, por isso, a necessidade de novas eleições. Essa é uma opinião minha.
Mas há o consenso de que a gente não pode ser linha auxiliar nem do governo nem da direita, precisamos construir essa terceira via.
O PSOL não participou dos atos a favor do governo na última sexta-feira (18). Em um manifesto do MES (Movimento Esquerda Socialista, tendência do PSOL), afirma-se que não existe golpe, como clama o PT. A sra. concorda?
Ajudei a redigir esse texto e vejo que o líderes do PT estão tentando convencer, alguns setores já foram convencidos, de que há uma ameaça à democracia, ao estado democrático de direito. Quando, na realidade, não é isso. Não estamos em uma situação de golpe, onde haja o risco de assumir um governo que vai restringir as liberdades individuais, que vá censurar, que vá prender, que vá torturar. Há uma tentativa do governo se fortalecer apelando para esse espírito democrático das pessoas e esse medo. O medo é um sentimento altamente mobilizador.
Quando as pessoas estão com medo, elas se canalizam ou se movem em função desse sentimento. Os líderes do PT estão incutindo nas pessoas esse medo de golpe para que elas se mobilizem em defesa do governo. Muita gente que foi na rua sexta-feira (18) não queria defender o governo, queria democracia, mas acabou participando de atos para defender o governo, defender o Lula.
Algumas lideranças do PSOL participaram desses movimentos entendendo que havia necessidade de fazer essa defesa da democracia. Defender a democracia hoje é defender novas eleições. O que as castas políticas estão querendo é uma “operação abafa” da Lava Jato.
Apesar dos excessos do [juiz Sergio] Moro [magistrado responsável pela Lava Jato], é evidente que ele cometeu excessos, há que se dizer que são parte dos excessos cometidos todos os dias dentro do nosso sistema penal, que sempre cometeu excessos contra os pobres.
Por isso, ele não é um fascista como alguns líderes do PT dizem. As liberdades democráticas e o direito à ampla defesa têm que valer para todos, para o Lula e para o João da Silva, acusado de tráfico.
Essa tentativa de desmoralizar a Lava Jato utilizando os excessos que o Moro cometeu vai permitir, se deixarmos, que a Lava Jato seja abafada e que não se exija que as investigações prossigam e demonstrem inclusive que os esquemas eram muito maiores e muito antigos que o próprio PT. A delação premiada do Delcídio é uma oportunidade de mostrar a ligação do PSDB com esses esquemas.
Houve excessos em relação a Lula?
O dito “estado democrático de direito” não é realmente democrático, ele funciona de forma seletiva. Só que esse sistema arbitrário atingiu, agora, as castas políticas e empresariais, pegando figuras como o Lula e os donos das maiores empreiteiras do Brasil. Eu não concordo com as arbitrariedades, mas também não concordo com a ideia de que essas arbitrariedade contra o Lula são sinais de um “golpe do Judiciário”.
O maior crime que o Lula cometeu –e este crime está comprovado, pra mim não é mera suspeita– é o crime de ter se tornado um agente dos interesses das empreiteiras.
Isso é comprovado pela quantidade gigantesca de recursos que essas empreiteiras investiram no Instituto Lula e na sua empresa de palestras. E nos “prováveis” presentes que elas deram também para o Lula. A reforma no sítio, o apartamento, são coisas que não estão integralmente comprovadas, mas que são suspeitas fortes.
Para mim, o Lula é indefensável. Não só pelo fato de que possa estar diretamente envolvido em corrupção, mas porque ele está diretamente comprometido com os interesses das empreiteiras…
Ele traiu os interesses do povo quando se aliou com esses megaempresários que saquearam os cofres públicos superfaturando obras e enriquecendo também os políticos ligados ao PT, ao PP, ao PMDB, a todos esses partidos, inclusive ao PSDB, que era o grande beneficiário anterior.
Recentemente, a deputada federal Luiza Erundina deixou o PSB e se filiou ao PSOL. O partido vai crescer com essa crise?
O PSOL vai crescer muito. Não sei se outras lideranças do porte da Erundina vão rapidamente vir para o PSOL. Mas o mais importante nesse momento é fortalecer as bases sociais… É possível se apresentar como alternativa sem se colar no governo. As eleições municipais serão essa oportunidade de crescimento.
A crise tende a radicalizar a classe média. A radicalização pode ir tanto para a direita como para a esquerda. Por isso, figuras como o Bolsonaro também ganham força em momentos como esse. Em momentos de desespero recorrem para soluções autoritárias, como é o Bolsonaro.
Nosso desafio é manter as nossas bandeiras e fazer com que elas sejam compreensíveis, mostrar que nosso objetivo não é simplesmente implantar um modelo de socialismo autoritário como esses modelos que faliram no leste Europeu e União Soviética.
Nosso objetivo é empoderar o povo, para que o povo decida os rumos do país, e para que a economia esteja a serviço dos interesses da maioria.