História de Juazeiro do Norte se confunde com devoção a Padim Ciço
POR KLEBER NUNES, ENVIADO ESPECIAL A JUAZEIRO DO NORTE (CE)
Em Juazeiro do Norte (CE), cidade com 300 mil habitantes no sertão do Cariri, tudo leva o nome de um dos seus fundadores, o padre Cícero Romão Batista, ou Padim Ciço. Avenida, praça, escola e comércios homenageiam o “santo do povo”, mas sua maior marca está na vida dos devotos.
Neste domingo (20), uma missa reuniu milhares de peregrinos na cidade para celebrar a reconciliação do religioso com a Igreja Católica, que o havia acusado de “manipulação da fé” após um milagre não reconhecido.
Padre Cícero chegou recém-ordenado sacerdote ao antigo povoado de Taboleiro Grande, no Natal de 1871. Nos arquivos que fazem parte do memorial dedicado ao religioso, documentos asseguram que ele foi à região a pedido de Jesus Cristo, que lhe apareceu durante um momento de oração.
Obediente, padre Cícero –natural da vizinha cidade do Crato (CE)– seguiu para região e construiu Juazeiro. Desde então, a história do religioso se mistura com o nascimento da cidade e, naturalmente, de seus moradores. Costuma-se dizer que quem nasce juazeirense já é afilhado do sacerdote.
Em cada esquina do município é fácil encontrar alguém que tenha uma graça alcançada por intermédio do religioso. A aposentada Maria dos Santos, 69 anos, não esquece nenhum dos milagres que o “Padim concedeu à sua afilhada”.
“Um dos meus filhos com apenas sete meses de vida começou a ter convulsões. Trouxe ele para a igreja do Socorro e pedi a padre Cícero que me mostrasse uma luz de como curar o meu filho, que não comia e estava debilitado”, disse Maria.
A devota lembra que quando saiu da igreja encontrou uma mulher desconhecida que se compadeceu da situação do bebê e indicou uma rezadeira. “Ela rezou, e meu filho no mesmo dia já conseguia se alimentar melhor. Faz 39 anos, ele é um exemplo vivo da intercessão do meu padim”, afirmou.
MILAGRE DA HÓSTIA
O primeiro milagre atribuído a padre Cícero data de 1881, quando ele entregou uma hóstia a uma beata e a partícula teria se transformado em sangue. A Igreja acusou o sacerdote de “manipulação da fé”, impedindo-o de exercer o sacerdócio até 20 de julho de 1934, data de sua morte.
A Igreja voltou atrás no último dia 13 e, por meio de carta em que reconhece as virtudes de padre Cícero, reconciliou-se com o religioso. A mensagem encaminhada pelo papa Francisco foi divulgada neste domingo (20).
Por outro lado, o povo de Juazeiro e, posteriormente, de todo o Nordeste, o acolheu de imediato como santo e padrinho. “Quando era criança tinha muitas crises de asmas. Passava dias no hospital e nada resolvia meu problema, até minha mãe fazer uma promessa a padre Cícero e ser curada por ele”, disse a confeiteira Avelina da Conceição, 37, que há 20 anos enfrenta 12 horas de viagem de Lagoa da Mata (PI) a Juazeiro para agradecer o milagre.
Atualmente, três grandes romarias são realizadas em Juazeiro nos meses de janeiro, setembro e novembro. Nas peregrinações, os fieis visitam a casa onde padre Cícero morou e hoje é um museu e o memorial que guarda objetos litúrgicos, roupas, condecorações e fotografias que ajudam a manter viva a memória do sacerdote.
Também estão no roteiro a visita à imagem de 27 metros de padre Cícero, que fica na Chapada do Araripe, e a igreja do Socorro, onde estão os restos mortais do religioso. É no pátio diante do templo onde os devotos celebram todo dia 20 de cada mês, em memória à data de sua morte.
A fama de padre Cícero chegou ao professor Eduardo Pereira, 33, em Serra de São Bento (RN), a 580 quilômetros de Juazeiro, graças aos seus avós, que contavam histórias de milagres. Ele diz que sempre teve admiração pelo presbítero, mas quando seu avô teve um princípio de infarto é que a fé foi colocada à prova.
“Em uma madrugada minha avó me chamou porque meu avô estava morrendo e queria se despedir. Naquele momento pedi a padre Cícero que deixasse ele viver até pelo menos o amanhecer para que eu pudesse levá-lo ao hospital em Natal. Consegui”, afirmou.
A preferência pelos mais pobres faz com muitos fieis associem padre Cícero à figura de São Francisco de Assis. Alguns fazem promessa aos dois, mas as pagam em Juazeiro. “A fé é nos dois, mas padre Cícero é o nosso padim. Vim para agradecer a recuperação da minha mãe que, há seis meses, passou por uma cirurgia para retirar o acúmulo de líquido na medula”, disse a atendente Viliane Viera, 29, de Altos (PI).
A Diocese do Crato (CE) estima que padre Cícero atraia 2 milhões de romeiros por ano a Juazeiro. “Com a reconciliação temos certeza que esse número vai crescer muito, e, com isso, os relatos de fé do povo que ele nunca desampara”, afirmou o pároco da Basílica Nossa Senhora das Dores, padre Cícero José da Silva.