Casa onde foi gravado o primeiro tango está abandonada no RS
PAULA SPERB, DE PORTO ALEGRE
Em risco de desabar, a pequena casa que abrigou a fábrica de discos e gramofones “A Elétrica”, em Porto Alegre, aguarda há décadas por restauro. A gravadora fundada em 1912 foi a segunda da América Latina.
Quando passou a prensar os próprios discos, em 1914, um processo que antes era feito apenas na Europa, tornou-se a quarta fábrica do mundo.
No mesmo ano, o fundador da empresa, o imigrante italiano Savério Leonetti, iniciou a fabricação dos primeiros gramofones do Brasil. Por esse feito, “A Elétrica” é lembrada como a primeira da América Latina.
Como o rádio surgiu apenas em 1922, os gramofones e seus discos eram a principal atividade de lazer para os que podiam adquirir o aparelho, barateado pela fábrica nacional. “Ter um gramofone era como ter um carro, era status”, diz Ricardo Eckert, empresário e integrante do grupo Amigos da Casa Elétrica, que defende o restauro do local.
A construção de número 220, na avenida Sergipe, no Bairro Glória, foi tombada pelo município em 1996. Na época, um grupo de 168 artistas, incluindo o escritor Luis Fernando Veríssimo, pedia o tombamento do local e a construção do Museu da Imagem e do Som (MIS), para abrigar a memória musical da capital gaúcha.
Agora, um grupo luta pela sua preservação e tem planos de abrigar no imóvel o acervo da gravadora, organizado pelo pesquisador e músico Hardy Vedana, morto em 2009 e autor de um livro sobre a fábrica.
O grupo Amigos da Casa Elétrica foi à Câmara Municipal de Porto Alegre no último dia 6 de outubro para pedir que a verba para o restauro seja incluída no orçamento do município para 2016.
Segundo a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), a proposta de R$ 1,3 milhão foi encaminhada. Entretanto, o coordenador de memória cultural da pasta, Luiz Custódio, explica que há uma série de entraves jurídicos, porque o imóvel é privado e o processo de desapropriação não teve sucesso.
A casa está abandonada, com rachaduras, pintura estragada, janelas quebradas e vegetação tomando conta do espaço. O imóvel fica num terreno alugado para uma empresa. Tanto os proprietários como a prefeitura são réus após denúncia do Ministério Público.
SAMBA E TANGO
Segundo Eckert, pesquisadores apontam que o primeiro samba gravado e prensado no Brasil saiu d’A Elétrica. Foi o samba “Iaiá, me diga”, da dupla Os Geraldos. Como se não bastasse o Rio Grande do Sul “rivalizar” com o Rio de Janeiro como berço da primeira gravação de samba, a provocação afeta também os hermanos argentinos.
O jornalista e músico Arthur de Faria conta que o primeiro tango gravado em disco também saiu d’A Elétrica. “Francisco Canaro, que era ‘el rey del tango’, em 1915, foi a Porto Alegre gravar”, relata Faria. O pesquisador conta que existiam diversas gravadoras na Argentina, mas as matrizes eram enviadas à Europa para serem prensadas.
“Com a Primeira Guerra Mundial, afundavam navios com matrizes de discos, e pararam de mandar para lá”, explica Faria. Com isso, muitos músicos argentinos e uruguaios viajavam a Porto Alegre para gravar e prensar os discos. “Imagina, no fundo do fim da América do Sul!”, brinca o jornalista, ressaltando a vantagem da localização: “No meio do caminho entre Buenos Aires e São Paulo”.
Os discos da gravadora são raridades e colecionados em todo o mudo, segundo Eckert, chegando a custar R$ 900 cada um. O acervo está espalhado entre os colecionadores.
A fábrica faliu em 1924, mas os pesquisadores não sabem precisar o motivo. Pode ter sido a escassez de material gerada pela Primeira Guerra ou a concorrência entre os selos.