‘Embaixador’ da agricultura sustentável morre no Paraná

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POR ESTELITA HASS CARAZZAI, DE CURITIBA

Em meados dos anos 1970, quando começou a cobrir sua lavoura com palha para o plantio das sementes, o agricultor Manoel Henrique Pereira, o seu Nonô, virou motivo de deboche no interior do Paraná.

“Na escola, o que se ensinava era virar a terra. Quanto mais mexesse na terra, para deixar mais moidinho, melhor. E ele pregava o contrário: não mexer em nada”, lembra o filho Manoel Henrique Pereira Júnior, o Mané.

Na época, poucos técnicos conheciam o método, importado dos Estados Unidos. Não havia máquinas adequadas, nem herbicidas próprios.

Manoel Henrique Pereira, o seu Nonô (dir.), recebe a medalha de Mérito Universitário na UEPG - Divulgação/UEPG
Manoel Henrique Pereira, o seu Nonô (dir.), recebe a medalha de Mérito Universitário na UEPG – Divulgação/UEPG

Na base da tentativa e erro, e superando todas as desconfianças, Nonô foi um dos pioneiros numa nova técnica agrícola no Brasil, o plantio direto –que hoje virou regra na agricultura nacional.

Trata-se do plantio da semente numa cobertura de palha, sem remexer o solo. Segundo especialistas, a técnica preserva o meio ambiente, poupa insumos e melhora a produtividade da plantação.

Depois do sucesso na aplicação da técnica, Nonô começou a se unir a outros produtores pioneiros. Em 1979, fundaram o “Clube da Minhoca”, que pretendia difundir a técnica pelo país.

“A minhoca era o símbolo do solo fértil”, explica o filho Mané. “Ele dizia: o solo é um ser vivo. Não é um punhado de vida estéril. É preciso deixá-lo intacto, com toda sua vida, seu equilíbrio ecológico.”

A partir da fundação do clube, que fazia conferências e treinava os produtores, Nonô ficou conhecido como “embaixador do plantio direto”. Viajou por todo o Brasil e, depois, a pelo menos 20 países para falar sobre a técnica.

“Ele não escolhia lugar. Num dia, estava num barracão de uma igreja em Prudentópolis [interior do Paraná], fazendo palestra num paiol. Na outra semana, estava em Paris. Desde os mais humildes aos mais abonados”, lembra o filho.

Em sua fazenda em Palmeira (a 70 km de Curitiba), Nonô mantinha um “museu do plantio direto”, com máquinas, fotos e souvenires de viagem. Ainda hoje, o local é aberto à visitação gratuita de estudantes e interessados.

Parte do acervo será transferida em breve para o Centro de Excelência do Plantio Direto, a ser implantado na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). O local, ainda sem previsão de inauguração, pretende capacitar agricultores e preservar a memória do plantio direto no Brasil.

Há alguns anos, Nonô lutava contra um câncer. Quatro dias antes de morrer, no início de setembro, ele foi homenageado na UEPG, recebendo a medalha de Mérito Universitário.

Emocionado, levantou com esforço da cadeira de rodas e agradeceu a homenagem. “Era um ícone. Sempre muito agradável, com um sorriso largo no rosto”, diz o secretário municipal de Agricultura de Ponta Grossa, Gustavo Ribas Netto.

Nonô morreu em 8 de setembro, aos 76 anos, em casa.