Brasil paga pensão a tetraneta de Tiradentes e a atletas; veja mais casos

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ESTÊVÃO BERTONI
DE SÃO PAULO

De uma tetraneta de Tiradentes (1746-1792) aos “soldados da borracha” que trabalharam na Amazônia durante a Segunda Guerra (1939-1945), cerca de 20 mil pessoas recebem hoje, no Brasil, pensões especiais.

Só neste ano, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou duas leis que garantem o benefício aos herdeiros de frei Tito de Alencar Lima (1945-1974), frade dominicano torturado durante a ditadura militar (1964-1985), e à ex-ginasta Laís Souza, que ficou tetraplégica após sofrer um acidente enquanto esquiava, em 2014.

A prática de conceder pensões em casos excepcionais é comum no país desde o início da República, em 1889. Uma das primeiras leis do tipo, assinada em 1891 pelo marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), dava o direito a pensão a dom Pedro 2º (1825-1891), que morreu menos de dois meses após a sanção da lei.

Atualmente, cerca de R$ 25 milhões são gastos por mês em pensões especiais, segundo dados da Previdência. Chega a R$ 34 milhões se o valor for somado às pensões dos anistiados.

Confira abaixo 18 casos de pensões especiais pagas pelo governo:

1) Herdeiros de frei Tito
Preso em 1969 por seu envolvimento com militantes de esquerda, frei Tito de Alencar Lima foi torturado durante três dias seguidos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo.

Foi solto em dezembro do ano seguinte, em troca da libertação de um embaixador suíço sequestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Com sequelas psicológicas causadas pelas torturas, Tito se matou em agosto de 1974, na França, onde havia se exilado.

Os restos mortais do frade dominicano foram trazidos ao Brasil em 1983. Seus sete irmãos que estão vivos vão dividir uma pensão mensal de R$ 500 (R$ 71 para cada um).

A lei foi proposta em 2001, no governo FHC, pelo então ministro da Justiça, José Gregori, e foi sancionada 14 anos depois sem que o valor do benefício fosse corrigido.

Para a pedagoga Nildes Alencar Lima, 81, irmã do religioso, o valor só daria para a manutenção do túmulo de frei Tito, em Fortaleza.

2) Laís Souza
Medalhista de bronze no Pan de 2007, a ex-ginasta Laís Souza sofreu um acidente em janeiro de 2014, enquanto esquiava nos EUA. Ela se preparava para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, na Rússia, e ficou tetraplégica.

A lei que lhe garante pensão especial, mensal e vitalícia, no limite máximo da Previdência (R$ 4.663,75), foi proposta pela deputada federal Mara Gabrilli (PSDB), que também é tetraplégica.

3) Campeões das Copas de 1958, 1962 e 1970
Dos 29 jogadores da seleção brasileira campeões das Copas de 1958, 1962 e 1970 que ainda estão vivos, 19 recebem pensão mensal, especial e vitalícia no limite máximo da Previdência (R$ 4.663,75).

O benefício é pago desde 2012, quando foi incluído na Lei Geral da Copa. Naquele ano, todos os campeões (eram 30 vivos, na época) ainda receberam um prêmio de R$ 100 mil cada um.

“A profissão de jogador de futebol não era regulamentada. Esses jogadores não tiveram a oportunidade de ter uma aposentadoria. Trabalharam mais de 20 anos e não conseguiam parar de jogar e ter uma estabilidade financeira. Alguns morreram por não ter condições de cuidarem da própria saúde, como Joel Camargo e Félix”, diz Marcelo Izar Neves, filho do goleiro Gilmar e presidente da associação dos campeões mundiais, criada em 2006.

4) Mãe de Roberto Vicente da Silva
Em janeiro de 1972, o soldado Roberto Vicente da Silva foi detido em um batalhão na cidade de Barra Mansa (RJ). O Exército alegou que investigava um caso relacionado ao uso de maconha e ao tráfico de drogas.

Dois dias depois, Maria Aparecida da Silva, sua mãe, foi informada, que o filho estava doente e que havia sido levado para um hospital do Exército. A família o encontrou todo machucado, com curativos.

O soldado morreu 13 dias depois, em decorrência das torturas cometidas durante os interrogatórios. A pensão é paga a ela desde 2008.

5) Pessoas atingidas pela hanseníase submetidas a internação compulsória até 1986
Entre 1923 e 1962, homens, mulheres e crianças doentes de hanseníase eram, por lei, internados contra a própria vontade em hospitais-colônias.

Muitos tiveram de deixar os filhos em educandários. Mesmo com o fim da política oficial do governo, algumas pessoas continuaram vivendo nesses hospitais.

Instituído por lei em 2007, o benefício reconhece que o Estado brasileiro violou direitos dos portadores da doença. Hoje, 6.608 pessoas recebem pensão do governo. O valor total do benefício pago é de R$ 6,7 milhões, por mês.

6) Orlando Lovecchio Filho
Em março de 1968, o corretor Orlando Lovecchio Filho, que não tinha nenhum envolvimento com política, estacionava seu carro na garagem do Conjunto Nacional, na avenida Paulista, na região central de São Paulo, quando uma bomba explodiu.

No prédio, ficava o consulado dos EUA. O artefato havia sido preparado por militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional). Orlando, então com 22 anos, perdeu parte da perna esquerda.

“Meu consolo foi pensar no Roberto Carlos”, contou à Folha, em 2012. A lei que estabelece pensão especial para ele foi sancionada em 2004.

7) Parente de Lyda Monteiro da Silva
Em 1980, uma carta-bomba foi enviada à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Rio, endereçada ao presidente da entidade. Quem abriu a correspondência foi a secretária Lyda Monteiro da Silva, que não resistiu aos ferimentos causados pela explosão.

Uma lei determinando o pagamento de pensão ao seu filho Luiz Felippe Monteiro Dias foi assinada em 2003, pelo presidente Lula.

8) Pais do soldado Mário Kozel Filho
Em junho de 1968, um caminhão-bomba foi jogado por integrantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) contra o quartel-general do 2º Exército, no Ibirapuera, em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho.

Em 2003, o presidente Lula assinou uma lei concedendo pensão especial, mensal e vitalícia aos pais do soldado.

9) Mulher de Orlando Villas Boas
Em 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou uma lei garantindo aos irmãos Cláudio (1916-1998) e Orlando Villas Boas (1914-2002), sertanistas que idealizaram o Parque do Xingu (MT), uma pensão especial vitalícia pelos “relevantes serviços prestados à causa indígena brasileira”.

Com a morte de Orlando, há 13 anos, sua mulher, Marina Lopes de Lima Villas Boas, passou a receber o benefício.

10) Dependentes de vítimas fatais de hepatite adquirida por contaminação em Caruaru (PE)
Por causa de cianobactérias presentes na água tirada de uma barragem por carros-pipa e usada em hemodiálises, 126 pessoas foram intoxicadas quando passavam pelo procedimento num instituto de Caruaru (PE), em fevereiro de 1996. Ao menos 60 pessoas morreram.

Ainda em dezembro daquele ano, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou uma lei que concedia pensão para as vítimas e seus parentes. Hoje, 58 pessoas são beneficiadas.

11) Tetraneta de Tiradentes
Graças a uma lei proposta durante o governo Itamar Franco e assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, Lúcia de Oliveira Menezes, tetraneta de Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira (1789), recebe R$ 215,70 como pensão.

O benefício é dado a ela desde 1996. Em 2011, duas outras tetranetas de Joaquim José da Silva
Xavier anunciaram que tentariam o benefício, mas acabaram desistindo devido à repercussão do caso.

12) Vítimas do acidente com césio-137, em Goiânia
O maior acidente radioativo do Brasil aconteceu em 1987, em Goiânia, depois que catadores de lixo encontraram um aparelho de radioterapia inutilizado dentro de um prédio abandonado, onde funcionara uma clínica. O aparelho foi aberto, o que causou o vazamento do césio-137 e a contaminação de centenas de pessoas.

Nove anos após o acidente, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou uma lei concedendo pensão especial aos afetados pela tragédia. Atualmente, 240 pessoas são beneficiadas. O valor total gasto é de R$ 189 mil, por mês.

13) ‘Soldados da borracha’
Os seringueiros que trabalharam na Amazônia durante a Segunda Guerra e seus dependentes são os maiores beneficiários das pensões especiais no país: são 11.794 benefícios, que movimentam por mês quase R$ 17 milhões. O valor supera as pensões pagas aos anistiados: R$ 9,5 milhões para 965 pessoas.

O pagamento foi determinado por uma lei assinada pelo presidente José Sarney, em 1989. Os seringueiros foram recrutados após um decreto do governo para trabalhar nos últimos anos da Segunda Guerra nos seringais da Amazônia. O produto extraído abastecia a indústria de armas americana.

14) Pedro Paulo Kossobuski
Lei sancionada pelo presidente João Figueiredo em 1981 concede pensão a Pedro Paulo Kossobuski, “considerado inválido em consequência da explosão acidental de uma granada de mão ofensiva, em 20 de dezembro de 1962, no município de Ponta Grossa (PR)”, segundo o texto assinado. Hoje, o valor da pensão é de R$ 1.576.

15) João Supren Filho
Também no valor de R$ 1.576 é a pensão pega a João Supren Filho, “inválido em consequência de acidente ocorrido em área de exercício militar”, segundo a lei assinada pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977.

16) Beneficiário de Eneu Gonçalves de Paula
Durante uma expedição de pacificação com os índios cintas-largas em 1970, o cabo Eneu Gonçalves de Paula morreu em decorrência de uma hepatite. Seus beneficiários recebem pensão desde 1971, devido a uma lei assinada pelo presidente Médici.

17) Dependentes dos integrantes da expedição Calleri
Em outubro de 1968, o padre italiano Giovanni Calleri foi contratado pelos militares. Devido ao plano de abrir a BR-174, no Amazonas, o religioso teve a função era amansar os índios waimiri-atroari. Calleri e sua equipe acabaram mortos a flechadas.

Desde 1969, devido a uma lei sancionada pelo presidente Costa e Silva, os descendentes de oito integrantes da expedição ganharam o direito de receber pensões. Hoje, três ainda são pagas, no valor total de R$ 2.364.

18) Maria Thereza Goulart
A lei que beneficia Maria Thereza Fontella Goulart, viúva de João Goulart, existe desde 1952, e vale para todas as viúvas de ex-presidentes da República. Maria Thereza ficou viúva em 1976.

Fontes: Ministérios da Fazenda e da Previdência Social