Modelo de saúde é caro e pouco eficaz, diz ex-secretário do Ceará
PATRÍCIA BRITTO, DO RECIFE
Pacientes internados pelos corredores e até no chão de hospitais, filas de meses para agendar um exame, falta de médicos e de remédios. Cenas como essas foram vistas nas últimas semanas em hospitais do Ceará –conforme reportagem da Folha de maio–, mas também são encontradas em outros Estados do país.
Para o ex-secretário de Saúde do Ceará, Antônio Carlile Lavor, esses problemas vão continuar enquanto o país não mudar o atual modelo do sistema de saúde, passando a priorizar a atenção primária, que ele afirma ser mais barata e eficaz para cuidar da saúde da população.
Segundo Lavor, falta incentivo para que novos médicos escolham especialidades básicas, porque as especialidades que usam equipamentos para exames e procedimentos são mais rentáveis para os profissionais. Ele também defende mais investimentos em áreas correlatas, como educação, saneamento e transportes para desafogar o sistema hospitalar.
Afirmando ter ideias divergentes das predominantes nas equipes médicas, Antônio Carlile Lavor diz que não conseguiu apoio dos colegas na Secretaria de Saúde do Ceará e, por isso, entregou o cargo ao governador Camilo Santana (PT) em meio à crise no Estado apenas quatro meses após tomar posse.
Assim como o ex-secretário, Santana também tomou posse do governo cearense neste ano.
“Não consegui que a equipe caminhasse nessa mesma linha que eu defendo e, quando não tem uma coordenação bem definida, os resultados ficam muito pobres”, disse ao blog ao justificar a renúncia.
Lavor já havia sido secretário estadual de Saúde de 1987 a 1988. Também foi professor da Universidade de Brasília, contribuiu para a criação do programa de agentes comunitários adotado pelo Ministério da Saúde, ajudou a criar programa semelhante em Angola, foi diretor da Fundação Oswaldo Cruz no Ceará, entre outros cargos.
Aos 74 anos, o médico microbiologista diz que ainda espera contribuir com a saúde pública no país. O blog conversou com ele por telefone.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
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Blog Brasil: Por que o senhor renunciou ao cargo em meio a uma crise na saúde pública do Ceará?
Antônio Carlile Lavor: Há muitas opiniões divergentes dentro da Secretaria e eu não consegui coordenar. Não é uma pessoa só quem faz a secretaria. Eu não consegui que a equipe caminhasse na mesma linha que eu defendo e, quando não tem uma coordenação bem definida, os resultados ficam muito pobres. Foi isso que me fez sair.
O que fez a crise no Ceará chegar a esse ponto, até com pacientes atendidos no chão?
Os problemas vieram se acumulando durante anos. O SUS teve um sucesso muito grande nos anos 1990, quando a ênfase foi estender o sistema de saúde a toda a população, a atenção básica. Mas fizemos isso e estamos parados. Passou a predominar a ideia dos hospitais de alta complexidade, mas eles atendem a um número menor de pessoas. Então começaram a se aglomerar os doentes nos grandes hospitais de Fortaleza.
Mas os hospitais de alta complexidade não são importantes?
Sim, mas o sistema de saúde tradicional enfatiza muito os hospitais e a tecnologia mais desenvolvida, mais cara. Esse modelo é muito caro e pouco eficaz. Estudos internacionais mostram que, com ênfase na atenção em nível mais inicial, chamada atenção básica, ou de média complexidade, os resultados são muito mais importantes. É preciso ter muito dinheiro para manter o atual modelo, e estamos longe de ter o dinheiro dos países já avançados. Nós nem temos o dinheiro e temos um sistema caro.
Passamos a investir menos em atenção primária?
O problema é que não há estímulo para as especialidades básicas. Por exemplo, há uma escassez de pediatras e de clínicos gerais porque eles usam poucos equipamentos, e os médicos recebem pelo uso de equipamentos. Já as especialidades básicas usam muito mais a conversa com o paciente, que é o mais importante para prevenir e tratar as doenças crônicas, mas o sistema atual dos planos de saúde e do SUS não valorizam.
Os problemas da saúde pública seriam resolvidos se houvesse mais investimentos?
É claro que é bom mais dinheiro, mas eu acho que é mais importante, primeiro, na saúde, gastar com aquilo de dá mais resultado. Segundo, temos que gastar mais em abastecimento de água de qualidade, sistema de esgoto, coleta e tratamento de lixo, educação, geração de emprego, segurança pública, trânsito…
Trânsito?
Não é que deva tirar da saúde, mas não tem como a gente aplicar muito em saúde se não resolveu problemas que são essenciais para a saúde. A quantidade de gente que morre por trânsito, isso enche os hospitais. Aqui o Ceará fez uma experiência, em março, para melhorar a fiscalização do trânsito em Fortaleza. Isso fez com que se reduzisse à metade os acidentes de moto, uma das coisas que mais enchem os hospitais.
E agora, o que precisa ser feito?
Mudar o modelo para um que valorize as especialidades básicas. Não é deixar de atender os pacientes nos hospitais, mas dá mais resultado prevenir do que esperar que os problemas mais graves aconteçam para tratar os pacientes no hospital.