Ao investigar tráfico, PF descobre contrabando
JOSÉ MARQUES, DE BELÉM, E ESTELITA HASS CARAZZAI, DE CURITIBA
Após sete dias de viagem de Paramaribo, capital do Suriname, um barco de médio porte ancora na costa do Pará trazendo roupas, acessórios e perfumes falsificados, além de bebidas e cigarros.
Embarcações menores vão até o local para transportar os produtos à terra firme, por meio de braços de rios, ou distribuí-los pela região.
Toda a logística é negociada previamente, por telefone, para que ocorra de forma rápida e discreta. Do porto, caminhões despacham os produtos a Belém e São Paulo.
Conversas dos envolvidos nesse sistema de embarque e desembarque foram registradas em 2007 pela Polícia Federal, em uma operação que investigava o tráfico de drogas entre o Brasil e o país vizinho, mas acabaram desvendando uma rota de contrabando na região.
O esquema funciona, na maioria dos casos, de forma simples: barqueiros levam mantimentos para brasileiros que trabalham em minérios no Suriname e, na volta, trazem os produtos contrabandeados.
Os itens que chegam a Paramaribo vêm de Cingapura, China e até do Japão. Incluem imitações de bolsas, óculos e tênis de marcas famosas.
A estimativa é que a cada 15 dias ao menos uma dessas embarcações chegue perto do litoral paraense com carregamentos que vão de 40 a 60 toneladas. Entre seis a oito tripulantes fazem a travessia. Mais três pessoas fazem o serviço intermediário de retirada da mercadoria.
A maior parte desse volume entra facilmente no Brasil. Operações resultantes dessa investigação apreenderam, em 2009, 90 toneladas de roupas e outras 140 de sucata –de um possível total de 1.440 toneladas.
Em 2014, outra operação apreendeu dois barcos, uma carreta e seis veículos, transportando principalmente cigarros ao Amapá e Pará.
Segundo o delegado da PF Ualame Machado, sediado em Belém, é “muito difícil” interceptar produtos contrabandeadas nos rios da região, mesmo com sigilo telefônico dos investigados quebrado e efetivo suficiente.
“Eles têm pessoas na costa que informam onde estamos. Além disso, mesmo que a gente descubra onde o barco [com contrabando] está, a mata fechada pode impedir que a gente encontre”, disse.
“Em uma das operações, estávamos de lancha e sabíamos a localização do barco que íamos apreender, mesmo assim, começamos a procurar às 8h e só encontramos às 20h”.
OPERAÇÃO
As acusações levaram a Justiça a expedir ao menos 22 mandados de prisão relacionados ao caso entre 2009 e 2010. Em 2014, 12 novas prisões foram feitas entre o Pará e o Amapá. Os réus ainda respondem às acusações.
O inquérito relacionado ao caso diz que os líderes da suposta rede criminosa não participavam diretamente do transporte dos produtos, mas da negociação e coordenação do serviço.
É o caso de Miguel Carlos Negrão da Silva, o Careca. Apontado como um dos responsáveis pela compra de produtos chineses falsificados, em Paramaribo, e envio ao Brasil, ele fazia as viagens ao Suriname em voos que saem da capital paraense.
O Ministério Público diz que, em depoimento, ele admitiu que já importou roupas sem documentação legal vinda do Suriname. A defesa de Careca nega e diz que ele “trabalhava por lá e depois voltava” e que só trazia itens para a família.
“Custava 50% mais barato”, disse em depoimento Maria Corrêa, mulher do acusado.
“Então ele trazia toneladas de roupas para presente?”, ironiza Ualame Machado.