Com trechos abandonados, Rio-Santos foi idealizada como Rio-Cubatão
JOSÉ MARQUES, DE SÃO PAULO
Ao falar sobre a criação de estradas em terrenos inexplorados, o engenheiro civil Nilson Franco Martins, 68, frequentemente recorre a metáforas com o corpo feminino. É assim, por exemplo, que ele exemplifica dois projetos abandonados da Rio-Santos em plena execução nos anos 1970, antes de a rodovia ter o traçado atual.
“É como uma cicatriz de cesária. Com a tecnologia de hoje, a mulher quase não fica com marcas, ao contrário de uma que deu à luz 30 anos atrás”, compara.
Martins foi um dos técnicos do extinto DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) responsáveis por projetar a via que, atualmente, margeia o litoral norte de São Paulo e sofre com frequentes engarrafamentos durante o verão.
Até ser inaugurado, o trecho que vai de Ubatuba a Santos sofreu mudanças e deixou as tais “cicatrizes” espalhadas pela Serra do Mar: dois viadutos semiprontos, vigas soltas e parte do terreno terraplanado.
Pensada pelo regime militar como uma extensão da BR-101, que terminava em Ubatuba, na divisa com o Rio, a estrada iria até Cubatão, na baixada santista, e tinha previsão de término para 1971.
Nessa época, houve a primeira revisão do projeto, que foi encurtado para terminar em Santos e com conclusão agendada para 1975. Mas a obra também não foi para frente.
“Quando começamos os estudos (para projetar a rodovia), o barril do petróleo custava US$ 1,20. De uma hora para outra passou para US$ 6. Na época, isso pegou o governo de calça curta”, afirma Martins, que hoje é supervisor do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito, que substituiu o DNER) em Taubaté, no Vale do Paraíba.
“O projeto tinha tudo de falha, não digo de erros, mas falha. Mas esse foi o primeiro projeto do DNER, não tínhamos a tecnologia de hoje e ainda estávamos descobrindo o que podia dar certo ou não”.
Tocados pelas construtoras Serveng-Civilsan, Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Queiroz Galvão, nenhum dos lotes deixados de lado passou dos 50% de execução. Juntos, custaram cerca de US$ 150 milhões em valores corrigidos.
Hoje, a estrada é dividida entre um trecho federal e um administrado pelo governo estadual. “Com a crise, o governo foi obrigado a concluir os trechos mais adiantados e ligar à SP-55”, acrescenta.
Um dos viadutos abandonados, que fica a cerca de 13 km da orla de São Sebastião, é utilizado por praticantes de rappel e bungee jumping. Com aproximadamente 40 m de altura e 300 m de comprimento, é classificado com grau de dificuldade “alto” entre os esportistas.
INVIÁVEL
Retomar a obra anterior é inviável, dizem técnicos consultados pela Folha. Funcionário aposentado do Ministério dos Transportes, Deuzedir Martins diz que chegou a ser consultado no governo Orestes Quércia (1987-1991) sobre a possibilidade de concluir o traçado, mas as conversas não seguiram adiante.
Em 2001, como um dos diretores do DNER em São Paulo, Deuzedir depôs à CPI das Obras Inacabadas, da Câmara dos Deputados, sobre a paralisação dos trechos.
“Aquele era um projeto do chamado ‘milagre brasileiro’, que não foi tão milagroso assim”, diz.
Atualmente, governos federal e estadual tocam projetos de duplicação de trechos da rodovia, na área urbana de Ubatuba e entre Bertioga e Santos.