Meninas se prostituem por R$ 2 em Roraima, relata ativista
TAÍS MAYUMI HIRATA, DE SÃO PAULO
Ivone Salucci, 64, sabe que seu ativismo desagrada muita gente.
Ela foi autora das denúncias que, em 2008, levaram à Operação Arcanjo, da Polícia Federal, que desarticulou uma rede de exploração sexual envolvendo ao menos 19 crianças e adolescentes em Boa Vista (RR).
Entre os condenados, estavam autoridades locais, como Luciano Queiroz, na época procurador-geral do Estado, e Raimundo Ferreira Gomes, ex-major da Polícia Militar.
Passados seis anos desde a revelação do esquema, Ivone diz que a exploração sexual persiste em Roraima.
Ela começou a militar na área nos anos 80, durante a consolidação direitos das crianças e dos adolescentes.
Hoje, funcionária aposentada da Pastoral da Criança, Ivone atua como voluntária em comitês de combate à violência sexual e presta assistência em bairros carentes de Boa Vista.
Leia abaixo o depoimento de Ivone Salucci:
Tu já observou que meu rosto treme? Agora não está muito porque eu ponho Botox. Eu fiquei com a marca da Operação Arcanjo na minha vida, infelizmente.
Depois da Operação, parecia que as coisas iam melhorar em Roraima, mas a exploração sexual não deixou de acontecer. Hoje as pessoas só estão mais cautelosas.
Tem meninas em situação de pobreza que têm na exploração sexual o seu ganho. Eu já ouvi de uma menina: “Se eu não me prostituir, se eu não ganhar dinheiro, como minha mãe e meus irmãos vão comer?”
Nas rodovias, as meninas se prostituem por um prato de comida, por R$ 2.
A gente tem notícia de que algumas das vítimas [da Operação Arcanjo] continuam se prostituindo. Apenas uma foi incorporada ao Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. A rede de proteção é muito frágil.
Na época, elas tiveram acompanhamento de psicólogas, assistente social, mas depois ficou por isso mesmo. As famílias são pobres, algumas não tinham dinheiro para se deslocar até o centro de atendimento.
NA MIRA
A verdade é que essa quadrilha só foi desbaratada porque a Polícia Federal se envolveu. Eu, que já trabalhava na área, sempre recebi muitas denúncias da população, então eu já sabia de longa data que eles eram abusadores frequentes.
Fui eu e um conselheiro tutelar que fomos falar com o superintendente da PF pra fazer a denúncia da quadrilha.
Depois disso, eles investigaram, fizeram escuta e conseguiram as provas. Nós dois [ela e o conselheiro tutelar] fomos ameaçados de morte.
Jogaram papeis com ameaças em vários locais que eu frequentava. Eles diziam para eu calar a boca, que eu estava na mira e que, se eu não me calasse, eu ia ser calada.
Mas o que realmente me destruiu foi quando eu abri a sala, parecia que tinha passado um furacão. Cortaram telefone, luz, internet e o fio do alarme.
A única coisa que levaram foi um dossiê com denúncias. Aí eu vi que eles estavam na minha perseguição.
Aquilo tudo me destruiu muito, foi quando meu olho e minha face começaram a tremer. Os médicos dizem que o organismo cria uma reação àquele impacto violento e a reação pode ser até um câncer.
Menos mal que no meu caso foi um problema neurológico, que eu consigo amenizar com Botox.
SEM MEDO
Nosso investimento agora é reestruturar o IML (Instituto Médico Legal), onde crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual fazem exame de corpo de delito.
Pleiteamos um espaço diferenciado só para as vítimas e nos oferecemos para capacitar os funcionários.
Também pedimos concurso público para mais legistas, de preferência mulheres. Muitas meninas, quando percebem que é um médico [homem], começam a chorar e não querem se despir para fazer o exame.
Hoje, eu continuo porque quem se propõe a lutar por direitos humanos tem um fogo aqui dentro que eu não sei o que é, você não consegue parar.
É um negocio que te queima, te chama, te lança. Eu não sei ver coisa errada e ficar calada, de braços cruzados. Se eu tivesse medo, já tinha parado.
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