Sinfônica de Campinas disputa título de mais antiga do Brasil

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LUCAS SAMPAIO, DE CAMPINAS

Documentos que foram encontrados abandonados em uma obra, entregues a um jornal de bairro e ignorados por anos podem provar que a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) é a mais antiga do Brasil –superando as suas irmãs de Recife e Ribeirão Preto.

Entre os documentos estão a ata da inaugural da “Sociedade Symphonica Campineira”, de 6 de outubro de 1929, e o programa do primeiro concerto, de 15 de novembro do mesmo ano, além de diversos outros, como o livro de atas das assembleias, programas de 69 concertos e circulares internas, com datas e horários dos ensaios.

“É uma surpresa total. Isso basicamente reescreve a história das orquestras sinfônicas brasileiras, que ainda não está completamente escrita”, diz o crítico musical Irineu Franco Perpétuo, colaborador da Folha. “É um pioneirismo que vale a pena ser resgatado. Esses documentos aparecem no momento em que a sinfônica está com um ciclo virtuoso de crescimento, com uma temporada legal e ambiciosa para 2015.”

Até então, a Orquestra Sinfônica de Recife, fundada pelo maestro Vicente Fittipaldi em 1930, era considerada a mais antiga do país. O ano de 1975 era considerado o da fundação da Sinfônica de Campinas, quando o maestro Benito Juarez a profissionalizou, com músicos contratados e assalariados.

“A polêmica se esclarece com esses documentos. É um grande orgulho ter a primeira orquestra do Brasil”, afirma o secretário de Cultura de Campinas, Ney Carrasco.

Para comemorar os 85 anos da primeira apresentação, a OMSC repetiu o primeiro programa na íntegra neste domingo (16), na Concha Acústica do parque Portugal –mais conhecido como Lagoa do Taquaral. Um público de cerca de 5.000 pessoas acompanhou o evento.

O primeiro concerto oficial da OMSC foi realizado em 1929, no feriado da Proclamação da República, e contou com uma formação de 51 músicos (atualmente são 82). Foram executados o hino nacional e a ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes –nascido em Campinas–, entre outras peças, com a regência do maestro Salvador Bove.

Também entraram no programa “Lohengrin”, do alemão Wilhelm Richard Wagner; “Caprice”, do russo Anton Grigorevich Rubinstein; “Cavalleria Rusticana”, do italiano Pietro Mascagni; e “Euryanthe”, do inglês Carl Maria von Weber

PRIMEIROS CONCERTOS E FUNDAÇÃO

“Faz total sentido a primeira peça ser ‘O Guarani’, de Carlos Gomes, e é muito interessante ver as escolhas da época”, diz Victor Hugo Toro, diretor artístico e regente titular da OMSC, sobre uma ópera alemã com metais e uma italiana, com cordas executadas na estreia da Sinfônica. “Precisa de repertório.”

A primeira apresentação da orquestra foi no teatro São Carlos, construído atrás da Catedral Metropolitana de Campinas em 1850 e demolido em 1922. O segundo concerto teve a execução de Wagner, Benedicts, Berlioz, Grieg, Moussorgsky e Bellini e foi realizado em 30 de janeiro de 1930, no teatro Rink.

Na comissão de honra da orquestra estão importantes figuras da cidade, como o ex-prefeito Orosimbo Maia, que construiu o Mercado Municipal de Campinas. O local onde a Sociedade Symphonica Campineira foi fundada, o Club Italiano (rua Dr. Quirino, 106), hoje é um terreno baldio.

ESTADO DE CONSERVAÇÃO

A primeira-dama de Campinas e doutoranda em música, Sandra Ciocci, diz que os documentos foram oferecidos a ela por um jornalista após a recusa de três secretários de Cultura. Os papéis foram, então, encaminhados para o CMU (Centro de Memória da Unicamp), que irá restaurá-los e armazená-los.

“A documentação vai ser higienizada, digitalizada e disponibilizada para consulta”, diz Maria Elena Bernardes, diretora do CMU. “Nós não temos como afirmar que é a primeira [orquestra] do Brasil. Isso cabe aos pesquisadores. Mas ata de fundação é um documento preciosíssimo.”

Os papéis incluem uma notícia de 20 de março 1939, da Folha da Manhã (jornal que deu origem à Folha), sobre o primeiro concerto público e gratuito da orquestra, e subsídios da Prefeitura Municipal de Campinas (seis contos de réis em 1936 e 12 contos de réis em 1939), mas o estado de conservação é péssimo.

“Não há problema de restauro, mas de higienização e conservação. Todos os documentos se encontram contaminados com fungo e umidade, e 90% do material está comprometido”, diz Ema Rodrigues Camillo, responsável pelo processamento técnico de documentos do CMU. Ao mexer na documentação, ela pegou uma rinite alérgica que a deixou dois dias de cama na semana passada. “As condições de conservação são as piores possíveis.”

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