Vidas secas: conheça três agricultores afetados pela seca em Pernambuco
JOÃO PEDRO PITOMBO, EM PERNAMBUCO
A pior seca das últimas cinco décadas mudou a vida e o cotidiano dos pequenos agricultores do interior de Pernambuco.
Moradores de áreas próximas aos canais da transposição do rio São Francisco, eles veem o baixo nível histórico do rio enquanto aguardam a construção dos canais que trarão a água para mais perto de suas casas.
Frente à falta de água para produção na região, vivem o exercício diário de buscar alternativas e soluções que garantam a sobrevivência de suas roças e de suas famílias.
ARILO NÃO EMPILHA MAIS SUAS ALFACES
Não fosse um agricultor, poderia ser um equilibrista. Em cima de uma moto de cem cilindradas, Arilo Farias da Silva, 28, empilha uma centena de alfaces.
Com as alfaces espremidas em bandejas retangulares, pega 30 km de estrada (sendo dois deles em trechos sem asfalto) rumo à zona urbana de Petrolândia, nas margens do rio São Francisco.
A cena era recorrente há um ano, quando o agricultor fazia viagens semanais para distribuir suas alfaces nos principais supermercados da cidade.
Na última semana, Arilo cruzou os 30 km até Petrolândia apenas com o celular no bolso. Com fotos em baixa resolução, justificou para os donos dos supermercados o produto em falta: havia perdido toda a sua produção.
Com distribuição irregular de água no perímetro irrigado Icó-Mandates, Arilo perdeu os 15 mil pés de alface que havia plantado.
Sem alternativa, recolheu as alfaces murchas pela falta de água e pelo castigo do sol, preparou a terra novamente e voltou a plantar novas mudas.
“Tive que plantar tudo de novo. Se parar, os empresários encaixam outro fornecedor e eu perco meus clientes”, diz Arilo.
E as alfaces seguem em falta nas gôndolas dos mercados de Petrolândia.
MAURÍCIO CAMINHA NO QUE FOI LEITO DE RIO
Com uma bacia de milhos cozidos, Maurício Nunes, 55, sobe em sua camionete e segue para as terras onde produz nas margens do Riacho do Navio.
Mas em vez de rio, por lá só há areia e uma vegetação rasteira já ressecada pelo efeito do sol. O rio que corre para o Pajeú, que por conseguinte deságua no São Francisco, está seco há meses.
“Esta é a pior seca que já vi em toda minha vida. Nunca vi nada parecido”, lamenta o agricultor, que vive na zona rural de Floresta, sertão pernambucano.
Com a água de um poço próximo, mantêm uma pequena plantação de cebola. Colheu 1.400 sacas que seguirão para o comércio em feiras da região.
A maior parte das terras, contudo, está sem nada plantado. Maurício diz que, sem água, não vale a pena arriscar culturas mais sensíveis como tomate e melão.
Aguarda o dia em que as águas da transposição darão novo fôlego aos rios da região, incluindo o seu Riacho do Navio.
Mas se preocupa mesmo é com o Velho Chico: “o rio está secando, está morrendo. Fico apreensivo quando vejo”.
CARMÉLIO TROCA ENXADA POR VOLANTE
Morador do assentamento rural de Serra Negra, zona rural de Floresta, Carmélio de Souza, 46, não sabe mais o que é uma enxada em seu dia a dia.
Percorrendo as terras que ficam no quintal de sua casa, restam apenas algumas mudas de feijão-de-corda já secas. Tudo o que havia plantado morreu.
Sem seu principal meio de sobrevivência, Carmélio hoje percorre todos os dias 100km num percurso de ida e volta até a zona urbana de Floresta. É lá que durante as manhãs trabalha como motorista.
“Não tive opção. Ou arranjava um emprego para manter minha família ou nem sei o que seria”, diz Carmélio, que costumava plantar feijão e milho nas terras no fundo de sua casa.
Benefícios como o Bolsa Família e o Bolsa Estiagem complementam a renda não só dele, mas de todos os moradores do assentamento.
Do contato com a terra, só restou os mandacarus e macambiras que servem para alimentar o rebanho de cabras que ainda mantêm em suas terras.
Enquanto aguarda um período de chuvas que não vêm há quatro anos, Carmélio olha com esperança os tratores e caminhões que escavam mais alguns quilômetros de canais para a transposição.
O concreto ainda não foi assentado e a água está longe de chegar. Mas ele sabe que não há alternativa senão esperar: “Estamos ansiosos”.
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