O Bolsa Família, seu Neném, a falta de mão de obra rural e a emancipação
PATRÍCIA BRITTO, EM MINAS GERAIS
Todos os dias, seu Neném, que acabou de completar 60 anos, acorda às 4h da manhã para começar a ordenha de suas 50 vacas leiteiras, trabalho que só termina quando o sol se põe, perto das 18h.
Homem simples e de poucas posses, Osmar Ribeiro Gontijo –seu nome verdadeiro que poucos conhecem– conta que seu filho Renato é o único ajudante na produção de 500 litros de leite por dia. O sítio fica na área rural de Bom Despacho (MG), a 163 km de Belo Horizonte.
“Nós aqui somos só os dois, eu e o meu rapaz. Se um acordar doente, o outro tem que trabalhar sozinho.”
Seu Neném reclama que “ninguém quer trabalhar na roça mais, porque na cidade está tendo emprego”. E, mesmo que encontre um funcionário, diz que o custo não compensa para o pequeno produtor.
“Se não for pra gente trabalhar assim, tem que arrumar mais funcionários pra ajudar. Mas se arrumar, tem que assinar carteira e tudo, pagar dois salários mínimos. Vão uns R$ 2.000 por mês só com um funcionário. Com o leite eu não pago e tenho que vender uma criação todo mês pra poder pagar”, calcula.
O aumento do alcance de programas sociais de distribuição de renda e a facilidade de acesso ao crédito mudou as relações de trabalho no meio rural, mas divide a opinião de eleitores em Minas Gerais.
De um lado, trabalhadores comemoram ter trocado a vida de empregado para tocar o próprio negócio, o que foi possível, por exemplo, com ajuda de crédito rural em condições facilitadas de pagamento.
Enquanto isso, pequenos e médios produtores veem como consequência a falta de mão de obra no campo e criticam o que consideram excesso de custo dos direitos trabalhistas.
“Esse negócio de bolsas tira muita gente da atividade, e a mão de obra fica mais escassa para o produtor”, afirma Célio Jesus da Silva, 64, diretor de uma cooperativa de produtores de leite em Bom Despacho. “Ninguém quer trabalhar em mão de obra rural, porque já tem os auxílios. Isso está atrapalhando a produção na nossa região.”
‘DINHEIRINHO NOSSO’
Em Jacutinga (MG), a 466 km de Bom Despacho, o aposentado e criador de gado leiteiro Eduardo Carlos Cunha, 66, consegue pagar quatro funcionários para o trabalho em sua terra de 50 hectares, o mesmo tamanho do sítio de seu Neném.
Ele também diz que precisaria mais funcionários, mas não consegue pagar. “Os direitos trabalhistas são o que mais afeta, o que mais tira o dinheirinho nosso. Não que eles não mereçam, só que é uma despesa muito alta para a gente, com 13º salário e férias”, diz.
Já no município de Nova Porteirinha (MG), no norte mineiro e a 558 km da capital, Valdeir Costa, 51, é exemplo do trabalhador que conseguiu, há cinco anos, trocar a vida de empregado pela de produtor em sua própria terra.
Antes, trabalhava 12 horas por dia como funcionário de uma fazenda. Depois de conseguir um empréstimo, investiu em sua propriedade e hoje trabalha por conta própria, com a plantação de banana, que vende para outros Estados.
“Pra gente fazer empréstimos, ficou muito bom. Agora está dando pra tocar aqui, está dando pra tirar o sustento só da roça”, comemora. Com a produção, consegue tirar um lucro de R$ 5 a R$ 10 mil por ano, o que junta com o Bolsa Família que a mulher recebe para ajudar na criação dos três filhos.
Desde a mudança, diz ele, a vida de sua família melhorou. “É melhor trabalhar pra gente mesmo, é mais à vontade.”
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