40 dias sem casa: a vida após a queda do viaduto em BH
PAULO PEIXOTO, DE BELO HORIZONTE
“Estou apreensiva, meus móveis estão todos lá. Não voltei até hoje por medo. Meu filho ficou abalado, ele pergunta o tempo todo.”
É assim que a professora Alexandra Pereira, 35, descreve os sentimentos da família que, há cerca de 40 dias, vive em um hotel de Belo Horizonte após a queda de um viaduto na zona norte da cidade em plena Copa.
Alexandra, o marido e o filho Mateus, de 10 anos, moravam em um dos três prédios próximos à estrutura. Desde 27 de julho, eles e mais 25 famílias não podem mais preparar as refeições nem cuidar das próprias roupas –para tudo tem hora no hotel.
Em 3 de julho, quando o viaduto em obras desabou, ela e o filho Mateus assistiram o drama dos ocupantes do micro-ônibus esmagado pelo cimento e o longo resgate dos dois mortos e 23 sobreviventes.
Agora, a agonia dessas famílias tem data para acabar: após idas e vindas, a demolição da alça que ficou de pé foi marcada para este domingo (14). A expectativa é que no dia 22 todos possam voltar para suas casas.
O viaduto, inacabado, deveria ter ficado pronto para o Mundial, mas atrasou e terminou no chão.
Nenhum imóvel apresentou problemas estruturais com a queda da alça, segundo a Defesa Civil, mas os moradores temem o impacto da implosão que se avizinha.
O representante comercial Natanael Arley, 37, que está com a mulher e o filho de três meses no hotel, disse que “a preocupação continua a mesma”. “O transtorno existe, queremos voltar sem nenhum abalo [nos imóveis].”
Para a dona de casa Juscilane Alves Martins, 33, as lembranças nunca vão se apagar. “O viaduto nos marcou psicologicamente e financeiramente”, afirmou, referindo-se à desvalorização dos imóveis após o desabamento.
VIDA NO HOTEL
Ninguém se queixa do hotel, mas os hóspedes lamentam estar fora de casa.
Exceto para as famílias com filhos pequenos, os casais têm um quarto só para eles, enquanto crianças e adolescentes ficam em outro.
A situação de Natanael, por exemplo, é mais complicada –ele e a mulher dividem espaço com o berço do bebê.
As mulheres não têm afazeres domésticos, já que o hotel oferece serviço de arrumação dos quartos. E a lavanderia está incluída nas despesas da construtora.
SEGURANÇA
Das 27 famílias que foram para o hotel, apenas uma já voltou —a Defesa Civil não vetou acesso aos apartamentos.
A maioria ficou, preocupada com a segurança. “Aqui está tudo muito bem”, disse Isabela Machado Aguiar, 15, que está no hotel com a mãe.
Desde 27 de julho, ela voltou duas vezes ao apartamento onde viviam, mas não dormiu lá. A mãe dela, Ana Lúcia Aguiar, 42, disse que só volta “com segurança”.
Enquanto isso, uma van paga pela construtora leva as crianças para as escolas. Essa rotina deve acabar a partir do dia 22. Após a implosão, será necessário uma semana para retirar os escombros.
A partir de então, os moradores pretendem lutar para que a prefeitura desista de reerguer outro viaduto.
“Queremos uma pracinha”, disse o segurança Servilho Mesquita, 47.
RESPONSABILIDADES
A Polícia Civil ainda não concluiu o inquérito que vai apontar responsabilidades e causas do acidente.
Enquanto a polícia analisa o laudo da perícia técnica, as duas empresas de engenharia envolvidas na obra tentam atribuir uma à outra a responsabilidade pelo desabamento da estrutura.
A Cowan contratou uma equipe de engenheiros e calculistas para analisar as causas da queda e concluiu que houve um erro no projeto elaborado pela Consol.
A Consol, por sua vez, afirma que o viaduto não foi executado conforme o projeto.
A prefeitura diz que “agirá com firmeza e cobrará a punição e o ressarcimento por falhas em quaisquer etapas das obras”.
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