‘Bruxo das plantas’ de Floripa viaja pelo país para divulgar benefícios
JULIANA COISSI, DE SÃO PAULO
Sempre que precisa viajar, o catarinense Alésio dos Passos Santos, 64, leva a própria “farmácia” na mala. Mas ele está longe de ser um hipocondríaco –dos que carregam dipironas e antiácidos pra cima e pra baixo com medo de adoecer. O kit de Alésio é composto por sacos repletos de raízes, sementes, folhas e flores.
Com um mínimo de cem porções de vegetais na bagagem, o ambientalista viaja pelo país para divulgar o que se tornou sua obsessão de vida: o poder de cura das plantas.
Nos últimos oito anos, ajudou a implantar cerca de cem farmácias vivas em Santa Catarina, espaços com dezenas de plantas medicinais. Dá aulas para leigos, crianças, médicos e universitários. Conectado, está sempre presente em entrevistas nas TVs locais e mantém um site para difundir o poder de certas espécies como remédios naturais.
Nas palestras em diferentes Estados, que ministra há 20 anos, ele garante ter um estilo único de se apresentar: espalha os sacos de plantas pelo chão e leva o público a cheirar, mascar e comer parte delas.
Quando está na ilha, onde trabalha como funcionário público, Alésio se refugia em casa para cuidar de suas plantas. Há 40 anos, começou a compor, no próprio quintal, um jardim medicinal que reúne hoje uma importante amostra de plantas nativas e até de outros países.
Nos 600 m² de jardim –ele deixou só 90 m² para a própria casa–, tem exemplares de cerca de 250 espécies. Há árvores e arbustos cuja semente ou muda veio da China, Índia, Austrália e Vietnã, países onde o ambientalista nunca pôs os pés.
“As pessoas sabem que gosto e trazem para mim, ou eu troco [mudas] com alguém”, diz. Nas viagens a países vizinhos ou pelo Brasil, admite que “adora roubar uma planta”.
BRUXAS
Neto de imigrantes dos Açores, arquipélago que é hoje região autônoma de Portugal, Alésio pertence à segunda geração da família de manezinhos, como são chamados os nativos de Florianópolis. “Aqui hoje sou quase uma exceção, viu? Só tem paulista e forasteiro”, conta.
Foi menino, com dez anos de idade, acompanhando o pai em pescarias, que passou a admirar folhas e flores e a mascá-las para sentir o gosto. Na adolescência, a curiosidade caminhou para os chás, que a sabedoria popular dizia curar tudo. Passou a devorar livros de botânica e fitoterapia. Adulto, fez especializações na área.
Desde cedo, o ambientalista atribuiu para si a função de guardião da natureza na ilha, principalmente da lagoa da Conceição, onde vive. Sua casa fica em uma área que, no início do século 20, era parte do antigo sítio dos avós.
“Décadas atrás, quando o Greenpeace nem existia no Brasil, eu mandava alguém escrever um texto em inglês para o Greenpeace na Holanda e mandava por fax. Era para denunciar a destruição da lagoa”, afirma.
O catarinense conta ter sido um dos poucos a denunciar a degradação da área na Eco 92, conferência mundial do meio ambiente ocorrida no Rio de Janeiro. “Eu vi a lagoa com vida total, mas hoje é só a falência. Os peixes sumiram, está mais raso, assoreado e contaminado com metais pesados e coliformes fecais”, lamenta.
A herança cultural deixada pelos avós inclui histórias de bruxas e lobisomens, memórias que acompanham Alésio até a vida adulta. O ambientalista, que cultiva longas barbas brancas, diz se sentir muito à vontade com a referência a gnomos e bruxas, e acha graça nos apelidos que recebe, como o de bruxo das plantas.
‘REVOLUÇÃO’
O entusiasmo com a medicina natural não impede que Alésio seja cauteloso. Seu site (www.farmaciadanatureza.com.br) traz alertas sobre tipos tóxicos e um telefone de emergência de uma universidade para casos de efeitos colaterais de chás e infusões.
Ele usa ainda as palestras para ponderar sobre o risco da interação de medicamentos e para avisar sobre plantas perigosas como a cipó mil homens, ainda presente no chimarrão de catarinenses, mas que pode prejudicar os rins.
Mas a maior empolgação Alésio reserva para listar o quanto, em suas palavras, “as plantas medicinais estão vindo com tudo, em uma revolução”, na indústria de cosméticos, nas descobertas científicas e na tendência mundial de buscar uma vida mais saudável.
Alésio comemora avanços no SUS, que incluiu fitoterápicos no tratamento dado pela rede básica de saúde. Mas ainda vê resistência no meio acadêmico. “Está havendo uma grande revolução, mas as universidades não colocam o assunto no currículo obrigatório, não há profissionais competentes para trabalhar com elas.”
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