Futebol do Ceará tem torcida organizada de esquerda
ANDRÉ UZÊDA, DE FORTALEZA
Uma torcida de futebol que prega o fim do capitalismo, apoia o cessar fogo na Palestina e tem como um dos mascotes o líder soviético Vladimir Lenin (1870-1924).
Essa é a Ultras Resistência Coral, torcida organizada do Ferroviário Atlético Clube, do Ceará. A equipe, fundada em 1933 por um grupo de operários da linha férrea, disputa atualmente a segunda divisão do campeonato local.
Já a torcida, que se autodeclara de viés esquerdista, é bem mais recente. Foi criada em 31 de julho de 2005 por dois torcedores do Ferrim (como o clube é carinhosamente chamado). Desde então, tem despertado mais atenção pelos coros e bandeiras que encampa do que propriamente pela quantidade de pessoas que arregimenta a cada partida.
Ao todo, apenas 20 integrantes, com idades que variam de 20 a 30 anos, compõe a Resistência Coral. O grupo faz restrições para aceitar novos adeptos. “O novo membro não precisa ser necessariamente socialista, comunista ou anarquista. Mas precisa não enxergar o adversário como inimigo e respeitar as diversas minorias. Esses são pontos de que não abrimos mão”, diz o sociólogo Leonardo Carneiro, 32, um dos membros mais antigos.
Na organização não há cargos de presidente, diretores ou líderes. Também não são aceitos ingressos dados pela diretoria do clube. São proibidos e rechaçados coros homofóbicos, machistas ou que preguem a violência entre torcidas adversárias. Um dos lemas da organizada, escrito em faixa, resume a postura ideológica do grupo: “Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes”.
“Essa nossa faixa já deu vários problemas com a polícia. Várias vezes eles mandavam a gente retirar do estádio por achar que estávamos incitando a violência quando era justamente o contrário. Ganhamos uma liminar na Justiça que autorizava a divulgação da faixa. Só assim para os problemas diminuírem”, conta Carneiro.
Os cânticos da Resistência Coral são ritmados pelas notas de uma charanga, e as letras quase sempre trazem referências a uma iminente revolução ou à origem proletária do clube:
O Ferrim tem seus amigos
Que são os trabalhadores
Ele é dos operários
Que são seus fundadores
Óh torcedores amigos
Eu estou sempre ao seu lado
Pois o Ferroviário é
Do operariado
Diferentemente de outras torcidas que usam símbolos bélicos para representar o grupo (animais selvagens, facas, caveiras e tacapes), a organizada do Ferrim aposta em imagens e ícones ligados ao imaginário da esquerda.
Sobram referências a Trótski, Guevara, Bakunin, Marx e Maiakovski. O símbolo da torcida é um punho cerrado em riste, que representa os movimentos de resistência. As cores são as mesmas três que representam o clube, embora embaladas com novos significados.
“O Ferroviário tem as cores vermelho, preto e branco. Usamos o vermelho como símbolo da esquerda, o preto contra o racismo e o branco da paz”, conta Carneiro.
Carneiro diz ainda que há atualmente entre os principais clubes brasileiros um movimento semelhante de nascimento de “torcidas ideológicas”.
“Na Europa isso já é bem comum. Lá há tanto torcidas de esquerda quanto de direita. Aqui no Brasil já soubemos da criação da Galo Marx (do Atlético Mineiro), da Gralha Marx (do Paraná Clube), da Ultras Tricolor (do Bahia) e de movimentos parecidos no Corinthians e Vasco”, diz.
HISTÓRIA
Rebaixado este ano para a segunda divisão do Cearense, o Ferroviário já foi um dos gigantes do futebol do Estado, chegando a rivalizar com Fortaleza e Ceará. Detentor de nove títulos estaduais, a última conquista foi há 19 anos.
O clube foi responsável por revelar jogadores que depois ficaram famosos em outras equipes brasileiras, a exemplo do goleiro Clemer (ex-Flamengo e Inter) e dos atacantes Jardel (ex-Palmeiras e Grêmio) e Iarley (ex-Inter e Corinthians).
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