Uma tarde com o compositor de jingles mais requisitado da Bahia

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JOÃO PEDRO PITOMBO, DE SALVADOR

Chapéu na cabeça, cruz no pescoço e um gingado que não nega: estamos diante de um típico malandro –no bom sentido– forjado nas ruas de Salvador.

Batizado Raimundo Nonato da Cruz, na vida ele se tornou Chocolate da Bahia, apelido que, diz, representa a “cor da pele e a doçura do sorriso”.

Lapidado nas batucadas no Mercado Modelo, tornou-se cantor e compositor de sucesso. Hoje, aos 70 anos, deixa seus sambas de roda, axés e afoxés na gaveta e se dedica a compor melodias pegajosas para candidatos a cargos eletivos.

Chocolate da Bahia é um dos compositores de jingles mais produtivos e requisitados da Bahia. Só nesta eleição já produziu cerca de 200, incluindo o de Rui Costa (PT), candidato da situação para a sucessão do governador Jaques Wagner (PT).

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O compositor Raimundo Nonato da Cruz, o Chocolate da Bahia – João Pedro Pitombo/Folhapress

A sala de casa é o QG de composição. Numa área pequena, dois sofás e uma mesa dividem espaço com microfones e aparelhos de som.

Lá, Chocolate e seus filhos produzem jingles em série para candidatos, com o apoio de um editor de áudio e dois cantores –uma voz masculina e uma feminina.

Em menos de uma hora, podem passar pelo QG políticos de campos opostos –de Marco Prisco (PSDB), líder da última greve da PM baiana e candidato a deputado estadual e assessores de Nelson Pelegrino (PT), deputado federal que tenta a reeleição.

Os dois políticos terão em comum o jingle em ritmo de arrocha –gênero popular no Estado. E a marca de Chocolate da Bahia.

Pela pena do compositor, Prisco vira um homem que traz esperança. “Para rimar com segurança”, bandeira do candidato, diz o autor. Pelegrino é “nosso amigo do peito”, o candidato “que vai ser eleito”.

ESTRADA

Chocolate da Bahia soma uma estrada longa. Nascido em Salvador, perdeu o pai ainda menino e ganhou as ruas para trabalhar. Foi engraxate, limpador de para-brisas e carregou tabuleiros de baianas de acarajé.

Na rampa do Mercado Modelo, onde trabalhou em loja de artigos de candomblé, conheceu velhos bambas do samba como Riachão, Paulinho Camafeu e Nelson Rufino.

Passou a compor os próprios sambas e ganhou o rádio. Nos anos 1970, estreou com o disco “Barraca do Chocolate”, com capa do artista plástico Carybé e a bênção de mestres como Jorge Amado e Dorival Caymmi.

Nas décadas seguintes, firmou-se como compositor. Fez “Não rolou, mas vai rolar”, gravada por Martinho da Vila. E passeou pelo axé com músicas como “Haja Amor”, de Luiz Caldas, e “Menina do Cateretê”, do Chiclete com Banana.

A pirataria pós-internet foi sua derrocada. “Não dá mais para viver de direito autoral”. Além de um salário mínimo de aposentadoria, recebe por mês cerca de R$ 300 do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) pela execução pública de suas músicas.

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Chocolate da Bahia e equipe em produção na sala de casa – João Pedro Pitombo/Folhapress

GATILHO RÁPIDO

Com o retorno financeiro das composições em baixa, Chocolate encontrou um dom e uma saída para fechar as contas.

Começou por incentivo de compositores como Waltinho Queiroz e Vevé Calasans –este fez “ACM, meu amor”, clássico de campanha do senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007).

O segredo, conta, é ser rápido no gatilho. Em questão de minutos, saca uma melodia grudenta e uma letra com palavras-chave sobre o candidato. Já fez muitas ao pé do ouvido de políticos e vendeu na hora.

“Não tem uma fórmula, a música vai saindo. Basta ter uma letra que marque o nome e o número do candidato e uma melodia que agrade ao povão”, diz. “Mas o número é o principal, tem que ficar na cabeça”, completa.

Na política, se diz fã de do ex-presidente Lula e afirma que o tempo de ACM já passou. Mas evita entrar em polêmica ou vetos: em sua música há espaço para todos.

Quando não tem eleição, mira nos prefeitos, para quem vende músicas educativas. “Da que ensina a escovar os dentes a que incentiva a doação de órgãos.”

E continua levando a vida como um velho malandro. Cerveja no copo, batuque na mesa e o verso na ponta da língua –sem perder a ternura jamais.

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