Conheça a história da ‘santa feia’ que perderá o lugar no interior gaúcho

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PAULA SPERB, DE SÃO PAULO

Santa de devoção do ex-técnico da seleção Luiz Felipe Scolari, Nossa Senhora de Caravaggio está no meio de uma polêmica em Farroupilha, cidade da serra gaúcha.

Fiéis que visitam o santuário da cidade, o maior do país dedicado à santa, não escondem: a imagem da padroeira que adorna a entrada do município é feia demais.

Apresentada ao público em 2008, a imagem ajuda a atrair turistas –o santuário recebe cerca de 2 milhões por ano. Mas o fato é que a aparência da figura de sete metros, de espuma e fibra de vidro, não agrada –devotos afirmam que o rosto é desproporcional, para dizer o mínimo.

Por isso, ainda naquele ano, a santa foi submetida a uma “plástica” pelo autor da obra, Ronaldo Chiaradia, que afinou partes da imagem, como o nariz. “Falam que ela é feia. Cada um tem um gosto”, diz o escultor, sugerindo contrariedade com o encargo.

Como o tratamento estético emergencial não adiantou muito, a solução foi encomendar uma nova imagem.

O santuário promove uma vaquinha na internet para custear a empreitada –fiéis solidários à causa da santa já doaram R$ 25,4 mil dos R$ 100 mil necessários.

SANTA ESCONDIDA

A nova imagem –com seis metros, 20 toneladas e toda de concreto– substituirá a antiga na rótula da RS-453. A rodovia é conhecida como estrada dos romeiros, já que liga a estátua, num das entradas de Farroupilha, ao santuário.

O destino, porém, da imagem rejeitada é incerto.

“A santa é deles, eles fazem o que querem. Não tem problema nenhum desde não estraguem a minha”, afirma um resignado Chiaradia.

O secretário de Turismo do município, Fabiano Picolli, diz que a santa “feia” deverá ir para dentro da cidade, porém mais longe dos olhos do público. “O objetivo é colocá-la em local visível, mas que guarde distância. Se passar perto, você consegue ver os motivos da substituição”, diz.

O culto à Nossa Senhora de Caravaggio começou em 1432 na cidade italiana que leva o nome da santa. Já popularizada, a devoção chegou à serra gaúcha com os imigrantes italianos no início da colonização, a partir de 1875.

A romaria realizada todos os anos entre 24 e 26 de maio reúne cerca de 200 mil fiéis. A maioria se desloca a pé, cumprindo promessas.

BONECA DE OLINDA

“Como devoto me sinto ofendido com a estátua que está ali. Sofro muito”, diz o secretário Picolli. Segundo ele, a santa já foi apelidada de “boneca de Olinda” e até de “biscoito Trakinas”, aquele do rosto na bolacha.

O mais famoso devoto da santa e frequentador do santuário é o novo técnico do Grêmio, Luiz Felipe Scolari, que vai ao local desde os tempos de jogador, no final dos anos 60. Fez promessas à santa antes da Copa de 2002, quando a seleção comandada por ele foi pentacampeã, e agora, em 2014, antes da campanha no Mundial marcada pelos 7 a 1 contra a Alemanha.

Neste ano, até o goleiro titular da seleção, Júlio César, posou na capa da revista “Caras” com uma miniatura da santa depois de ele ter defendido pênaltis na classificação do Brasil contra o Chile.

O padre reitor do santuário, Gilnei Fronza, diz que a mudança segue a vontade da comunidade. “O protótipo já agradou. Ela é uma formosura. E os detalhes são muito ricos”, comemora, aliviado.

O trabalho de construção ocorre num pavilhão dentro do santuário, aberto à visitação. E a santa só sairá de lá com “aceitação total” da comunidade, afirma um precavido padre Fronza.

O artista incumbido de dar vida à nova santa promete fazer jus à responsabilidade. “As imagens sacras são símbolos que nos aproximam de Deus. Por isso ela tem que ser bonita, ter leveza, delicadeza”, diz Gilmar Pocai.

Para ele, a estátua antiga “ficou muito caricaturada” e “não transmite a figura de mãe que as pessoas gostariam de ver”.

Há, no entanto, quem defenda a imagem rejeitada. “A devoção vai além [da estátua]. É desnecessário trocar”, diz a comerciante Elizabete Ramires Ribeiro, 37.

Ironicamente, quem procura a imagem pelo serviço Street View do Google encontra o rosto da santa antiga desfocado. O Google diz, contudo, que se trata de um ajuste automático, feito por um programa que desfoca as imagens ao detectar rostos. Nada a ver, portanto, com a polêmica estético-religiosa da “santa do Felipão”.