Espetáculo de teatro de rua conta a trajetória de Marighella; veja fotos
DIÓGENES CAMPANHA, EM PORTO ALEGRE
A poucos metros de um posto da Brigada Militar (a PM gaúcha), “soldados” com máscaras de gorilas portando escudos e cassetetes arrastam presos políticos dentro de bolas de ferro. Minutos depois, assistem a homens com cabeças de rato içarem um prisioneiro em um pau de arara instalado no alto de um veículo.
As cenas, presenciadas há cerca de dois meses no parque Farroupilha, em Porto Alegre, se repetiram no último dia 20 em um bairro de Canoas (RS). São trechos da peça “O Amargo Santo da Purificação”, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, companhia criada em 1978 na capital gaúcha.
O espetáculo de teatro de rua conta a trajetória de Carlos Marighella (1911-1969) por meio de poemas escritos pelo próprio guerrilheiro e que foram musicados pelos integrantes do grupo —um dos textos ganhou a melodia da canção “Pra Frente, Brasil”, que embalou a seleção brasileira no tricampeonato em 1970.
Encenada pela primeira vez em 2008, a peça agora faz parte de um ciclo de “Teatro e Memória” sobre os 50 anos do golpe de 1964 que o Ói Nóis está fazendo pelo interior do Rio Grande do Sul, com performances, palestras e workshops.
Além da proposta de criar espaços de atuação fora do palco tradicional, a companhia é marcada pela militância política.
“O grupo surgiu no final de 1977 e elegeu 31 de março de 1978 para estrear seu primeiro trabalho, justamente para fazer uma crítica à ditadura”, conta Tania Farias, 40, uma das “atuadoras” do Ói Nóis, lembrando que 31 de março marca o aniversário do início do golpe.
“A ideia, já na origem, era trazer as questões que tu não vias no teatro. Aquilo que todo mundo queria falar, mas não podia.
Nos últimos anos, o grupo vem tentando, nas palavras de Tânia, ajudar a “marcar” espaços que foram centros de repressão durante o regime militar.
Em janeiro de 2011, eles encenaram uma peça na ilha do Presídio, entre Porto Alegre e Guaíba, nas ruínas de uma construção que abrigou presos políticos.
“Viúvas – Performance Sobre a Ausência” abordava o desaparecimento de militantes em vários países da América Latina que passaram por ditaduras.
“Com a nossa apresentação no presídio, começou uma discussão sobre a importância de preservar aquele espaço, entendendo que isso constrói cidadania”, afirma Tânia.
O tema foi retomado na performance “Onde? Ação nº 2”, que termina com mulheres gritando os nomes de desaparecidos brasileiros e teve como um de seus “palcos” um casarão que funcionou como aparelho clandestino de torturas apelidado de Dopinha —um diminutivo de Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Um filme de “Viúvas” e a apresentação de “Onde?” também fazem parte do ciclo sobre a ditadura que o Ói Nóis apresenta no interior gaúcho. Depois de Canoas, o giro deve passar por Esteio, Vacaria, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Ijuí, São Gabriel e Bento Gonçalves.
FORMAÇÃO E DIFUSÃO
Em Porto Alegre, a companhia mantém oficinas e um curso gratuito de formação de atores, com duração de um ano e meio, e promove um projeto pedagógico para estimular a criação de grupos de teatro em comunidades carentes da capital.
“Além de grupos, também se formam agentes de transformação que vão criar rádios comunitárias ou simplesmente ser mais atuantes para discutir os problemas da região. As mulheres se sentem mais fortes para agir em casa, no diálogo com o marido, e ter uma postura diferente diante do machismo e da violência doméstica. A gente percebe como isso é importante para o bairro e também para nossa formação como atuadores”, afirma Tânia.
A Tribo ainda edita uma revista semestral de teatro, distribuída para todo o Brasil, e possui um selo próprio, Ói Nóis na Memória, que produz livros sobre a trajetória do grupo e os DVDs de seus espetáculos.