Casamento gay em Centro de Tradições Gaúchas causa polêmica no Sul

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PAULA SPERB, DE SÃO PAULO

A decisão de uma juíza de aceitar casais gays em um casamento comunitário em Santana de Livramento (RS) está deixando os tradicionalistas riograndenses de cabelo em pé. Explica-se: o cenário do casório será um CTG, ou Centro de Tradições Gaúchas, espécie de guardião da figura mítica do gaúcho destemido e viril.

A iniciativa é da juíza Carine Labres, 34, que se baseou na resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para abrir as inscrições para os casais do mesmo sexo. Até o momento, ao menos 2 dos 22 casais inscritos são de homossexuais. “Estamos fazendo nada mais nada menos do que cumprir a lei”, diz a juíza.

Foi dela a sugestão para que o casamento de setembro fosse em um CTG, para homenagear as tradições gaúchas no mês da Semana Farroupilha. Ela já realizou um casamento nos mesmos moldes, em março, no fórum da cidade.

O único CTG que aceitou ser palco das uniões sem discriminação foi o Sentinela do Planalto. O patrão do CTG, Gilbert Gisler, 47, diz que está apenas honrando o artigo 9 da Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG): lutar pelos direitos humanos de liberdade, igualdade e humanidade.

Mas o MTG, órgão disciplinador e orientador ao qual os CTGs são filiados, é contra. Rui Rodrigues, 61, presidente da Associação Tradicionalista de Santana do Livramento e conselheiro do MTG, conhece a legislação, mas orienta os gays a procurarem outro local para o casamento.

“Casamento de hétero, de associados ao MTG, de tradicionalistas, sim, concordamos. Mas esse casamento [gay] é fora da nossa realidade”, diz Ferreira. “Nosso objetivo sempre foi a manutenção da família tradicional. O que está havendo é uma alteração”, conclui Ferreira.

Ele diz ainda que o Sentinelas do Planalto não pode ser considerado um CTG porque não paga suas anuidades. Gisler diz que parou de pagar a contribuição obrigatória quando o espaço foi assaltado e não recebeu nenhuma ajuda do MTG. “Quando mais precisam, eles viram as costas”, afirma.

A juíza ressalta que nunca quis afrontar a tradição. Mas, pare ela, o MTG tem uma compreensão equivocada do significado de família. “O conceito assumiu uma versão plural. A lei entende que, se tem legítimo afeto, é família. Casais do mesmo sexo são considerados como família”, explica Labres.

Os nomes dos casais homossexuais já inscritos estão sendo preservados pela juíza para que, segundo ela, não haja retaliação.

No casamento comunitário de março, duas mulheres celebraram a união no Fórum de Livramento: Mariana da Silva Maciel, 28, e Daniela dos Santos Rodrigues, 24, que assumiu o sobrenome Maciel. Mariana foi “prenda” (par do peão) por dez anos em um CTG, mas desde que passou a frequentá-lo com a companheira desistiu da participação. “Começaram a olhar torto. Adoro o CTG, mas deixei de ir”, conta.

Um comunicado oficial assinado pelo presidente do MTG, Manoelito Savaris, diz: “Oriento a que todos os tradicionalistas (…) que no interior dos galpões e nos ambientes em que se realizam as atividades tradicionalistas, cada um procure se portar segundo o seu gênero, ou seja, os homens tenham posturas masculinas e as mulheres, posturas do sexo feminino, tudo segundo a tradição”.