Galpão com goteiras esconde trens históricos do Brasil; veja fotos
NATÁLIA CANCIAN, EM PARANAPIACABA (SP)
Embaixo de uma passarela que corta parte da vila ferroviária de Paranapiacaba, na zona rural de Santo André (SP), e ao lado de um conjunto de trilhos desativados, um galpão do início do último século guarda parte do patrimônio histórico do país.
É ali, atrás dos portões de ferro do Museu Funicular, que estão exemplares como a primeira locomotiva a percorrer a estrada de ferro entre Santos e Jundiaí, construída em 1862.
Dentro, também há um vagão de madeira nobre, parecido com uma carruagem e feito sete anos depois, em 1879, para ser usado pelo imperador D. Pedro 2º e a família imperial em eventuais viagens pela região.
Um carro fúnebre e de tom escuro, de 1907, também permanece por lá. Dentro, é possível ver o suporte que era usado pelas famílias mais ricas em funerais nos trilhos.
Hoje, o galpão, com a inscrição da São Paulo Railway, como era chamada a primeira ferrovia paulista, tem parte do telhado entreaberto e com goteiras. Lonas protegem o material, ameaçado também pelo tempo.
São apenas um exemplo de um patrimônio ainda maior que espera para revitalização –hoje, toda a vila construída pelos ingleses no século 19 é um museu a céu aberto, como definem os moradores e antigos funcionários.
“Paranapiacaba não pode ser vista apenas como vila, museu. Aquilo é um complexo ferroviário”, define a museóloga e historiadora Maria Inês Mazzoco, 60, que vive desde a infância em torno do trem.
A própria história dela, aliás, merece registro.
Começa pelo bisavô de Maria, que veio de Portugal para trabalhar como maquinista da ferrovia que corta a serra do Mar. Pai e avô, conta, também não escaparam dessa trajetória nos trilhos.
Não deu em outra: coube a ela a continuar a tradição ferroviária na família. Ingressou na Rede Ferroviária como bibliotecária, em 1977. Logo se apaixonou pelo trabalho de preservação, atividade à qual se dedica até hoje, já aposentada.
REVITALIZAÇÃO
Agora, Maria Inês é mais uma das pessoas que sonha em ver a revitalização do lugar. A começar pelos galpões que abrigam os trens do início deste texto.
Segundo a ABPF-SP (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), um projeto de recuperação emergencial já foi encaminhado aos órgãos de preservação e, em breve, deve seguir para o Ministério da Cultura.
A ideia é tentar obter recursos via lei Rouanet para iniciar a recuperação da arquitetura do Museu Funicular.
“Não podemos fazer restauração do material rodante em um galpão pingando. É como em uma casa: você começa pela cozinha ou pelo telhado?”, compara a historiadora, hoje uma das integrantes da ABPF-SP.
Segundo ela, o estado de conservação do acervo se agravou após a decadência da ferrovia e a extinção da Rede Ferroviária Federal.
“A conservação é precária”, admite. “Mas é recuperável”, diz ela, cujo nome foi emprestado para um trem turístico, de 1867, que ainda roda por lá.
Caso o projeto seja aprovado, a expectativa é que o restauro inicie já no ano que vem. O sonho de Maria e dos antigos moradores da vila, porém, é ver revitalizado todo o museu, que já foi alvo de roubos e ações de vândalos.
A iniciar pelo conceito: hoje, o grupo estuda a proposta de fazer um espaço “evolutivo”, que aborde o passado –por meio dos trens centenários como o de D. Pedro 2º– e também o futuro –uma maneira de tentar resgatar a importância da ferrovia para o país, afirma.
“Tenho um amigo que costuma dizer que meu coração não bate: meu coração apita”, brinca.